Do rock ao electro; do electro ao psytrance; do psytrance ao forest. Conheça a trajetória de Alphenkka, novo personagem do Pride Month.
Estamos cansados de dizer que o psytrance é uma das cenas mais libertárias que existem na música eletrônica e talvez seja por isso, que é muito comum encontrar pessoas que sentem-se a vontade em assumir que fazem parte da comunidade LGBTQIA+, como é o caso de Alphenkka, projeto de Kauê Garcilasso, que começa nosso papo relembrando suas primeiras memórias musicais.
“Quando paro pra pensar na minha primeira lembrança musical, volto lá pra minha infância. Meu pai amava escutar música brasileira e uma das bandas preferidas dele era o Capital Inicial. Ele gostava muito, de ouvir sempre e por muito tempo, eu ouvi o álbum acústico da banda inteiro. Eu sabia todas as letras de todas as músicas.”
Nem só de rock vive o homem e Alphenkka também lembra, com muito carinho, de outro contato com a música, ainda na infância, mas dessa vez ligado ao seu avô e às suas raízes sulistas, já que tanto o pai quando o avô, nasceram no Rio Grande do Sul
“Outra lembrança muito forte que tenho é do meu avô colocando discos de vinil pra tocar, todos de música tradicional gaúcha. Não lembro bem qual gênero era, mas era muito característico da região e sempre que eu estava na casa deles, a vitrola não parava de tocar e o regionalismo se fazia presente em forma musical.”
Por incrível que pareça, tanto o rock do Capital Inicial, quanto a música tradicional gaúcha, não foram o estopim para que Alphenkka tivesse aquela vontade de se envolver profissionalmente com o ramo musical. Foi preciso conhecer um amigo da sua irmã, na época de colégio, para ter uma nova visão sobre o mundo que o aguardava.
“Eu não tive muito aquela fase de começar num estilo e depois migrar para a música eletrônica. Desde os meus 14 anos, tive contato com o electro através de um amigo de escola da minha irmã, que me apresentou o duo Electrixx, muito famoso naquela época. Nós saímos da escola e íamos pra minha casa ouvir aquele som ‘foda’. Foi com esse amigo da minha irmã que acabei conhecendo alguns outros artistas, comecei a descobrir as vertentes da música eletrônica e tive vontade de querer ir além.”
Mais uma vez o destino falha e Alphenkka, mesmo começando no electro e vertentes mais comerciais, não chegou a frequentar eventos do tipo, até por conta da idade. Foi preciso aguardar alguns anos para ter seu primeiro contato com as festas e então, mudar completamente seu foco musical.
“Foi no ano de 2013 que fui para meu primeiro rolê, nada a ver com aquela música eletrônica que eu havia conhecido. Fui na Trance in Moon, sozinho, já que meus amigos estavam completamente sem grana. Eu sabia que não poderia deixar aquela oportunidade passar e mesmo lutando contra a minha timidez, ‘meti o louco’ e fui com a cara e coragem.”
Encarando a sua primeira festa na vida, Alphenkka estava sozinho, porém rodeado de pessoas e foi ali, na excursão mesmo, a caminho da festa, que ele começou a se enturmar e criar novos laços. Era o início da sua história com o psytrance.
“Durante o trajeto para a festa, acabei me enturmando, até mesmo pela distância. A Trance in Moon aconteceu cerca de 350km de São Paulo, então tive bastante tempo para conhecer pessoas. Mesmo longe dos meus amigos, eu voltei completamente extasiado daquela experiência, que foi muito além do que havia imaginado. Foi ali que resolvi me jogar cada vez mais na cena e viver intensamente e verdadeiramente o P.L.U.R.”
Mais um plotwist acontece e eis que Alphenkka se apaixona pelas vertente noturna do psytrance. Foi nos BPMs mais rápidos e batidas mais obscuras que ele encontrou seu verdadeiro eu e ali, fez morada.
“Ainda na Trance in Moon eu conheci o som do DJ Goch, uma coisa completamente diferente daquilo que eu já tinha ouvido até ali. Um som mais pesado, denso, conhecido por Forest e que ficou na minha cabeça. Em 2014, resolvi me aventurar na festa Sarasvati, focada só em Forest, no som que o Goch me apresentou e foi onde escolhi a vertente que me acompanharia profissionalmente como DJ.“
Da infância com rock, da iniciação eletrônica com electro, da primeira festa com psytrance até esbarrar nas vertentes noturnas como o Forest, foi em 2016 que Alphenkka começou a dar seus primeiros passos profissionais na música eletrônica, mas nem tudo foi como ele esperava.
“Minha primeira experiência com um professor de discotecagem não foi nada bacana. Meu tutor não gostava de psytrance e consequentemente não me deixava treinar. Eu não podia praticar com o gênero que eu havia escolhido para tocar, até que conheci um casal, a Amanda e o Vinicius, pedindo carona para ir pra um festival e que também são DJs. Foi com esse casal que comecei a ter mais contato com o psytrance. Recebi diversas dicas deles, trocamos bastante conhecimento, até que fiz minha estreia na festa Psyconnect, em São Paulo.”
Após dar o start oficial na sua carreira, Kauê resolve tentar mais uma vez um curso de DJ, mas dessa vez em uma escola reconhecida na cidade de São Paulo, a e-lab, que não o podou em seu sonho e o deixou viajar nas ondas do psytrance, porém, a pandemia chegou.
“Em 2019 eu decidi que queria investir na minha carreira de DJ, pedi demissão do meu trabalho, peguei a grana que eu havia guardado e comecei o novo curso na e-lab. As aulas estavam indo super bem, mas a pandemia começou, em 2020, e o curso precisou ser interrompido. Com o avançar dos meses e as flexibilizações, consegui terminar as aulas, com turmas totalmente reduzidas, mas o suficiente para que eu conseguisse adquirir o conhecimento necessário.”
O novo curso, na escola certa, abriu ainda mais a cabeça e os caminhos de Alphenkka, que mesmo em uma época tão delicada para todos nós, não desistiu e se aventurou nos novos formatos de apresentação e as tão faladas lives.
“Acho que como muitos artistas, precisei me adaptar, ainda mais para quem está começando na carreira musical. Fiz algumas lives, toquei para amigos bem próximos e restritos, em algum sítio da família, mas não deixei o sonho acabar. Estou no começo de tudo e quero crescer muito mais.”
E como um artista que faz parte da comunidade LGBTQIA+, Kauê, mesmo sem nunca ter sofrido preconceito na cena, sabe que ela ainda precisa de orientação e de que mais amor.
“Eu posso dizer que sou privilegiado por nunca ter vivido alguma experiência desagradável na cena, mas eu não me sinto representado. As pessoas podem se vestir como querem, ser quem quiserem, mas ainda há uma resistência muito grande, principalmente quando falamos de artistas LGBTQIA+ reconhecidamente famosos. Não existem grandes nomes que fazem parte da nossa comunidade. A Luuli, uma DJ trans, é uma das poucas que faz parte do nosso movimento. Acredito que mesmo a cena sendo totalmente libertária, ainda há um medo ou certa resistência, por parte da pessoa que quer se assumir ou do público, em aceitar uma figura importante como LGBTQIA+”
Mas não adianta falar e não fazer, por isso Alphenkka é um daqueles que não fica quieto diante de algumas atitudes e como frequentador e artista, posicionar-se é a melhor solução para combater esse preconceito ainda enraizado.
“É muito importante nunca ter medo de mostrar quem eu realmente sou. De ser 100% eu, sem medo de julgamento das pessoas. Eu busco sempre me posicionar, repudiar e até mesmo boicotar festas e pessoas que ainda possuem atitudes homofóbicas ou que possam ferir minha comunidade. Não dar palco para atitudes escrotas. Busco sempre também dar visibilidade para artistas LGBTQIA+ e gosto de incentivar essa visibilidade. É muito importante que sejamos unidos.”
O futuro ainda é muito incerto, mas como esperança é a última que morre e Alphenkka também planeja seus próximos passos.
“Uma das coisas que mais quero, quando tudo isso acabar, é poder voltar a frequentar as festas, os eventos. Sinto muita falta. Quero também continuar estudando, investindo sempre na minha carreira, começar a produzir. Como muitos artistas iniciantes, também almejo meu lugar ao sol. Vou fazer esse projeto virar!”
Escute Alphenkka no Soundcloud!