Cantor, compositor, produtor, beat maker e pessoa lendária na cena ballrom, Biel Lima conversou com nossa redação sobre sua carreira. Confira!
Preto, gay, da periferia, Biel Lima é aquele tipo de artista que precisa batalhar para sobreviver, seja da sua arte ou simplesmente no dia a dia. Considerado uma pessoa lendária na cena ballroom, ele é cantor, compositor, produtor e beat maker. Um artista completo, que encontrou na house music um refúgio e motivo para querer ir além.
Fazendo parte das comemorações do nosso Pride Month, conversamos com Biel Lima, que nos contou sobre a decisão de produzir musicalmente, sobre suas dificuldades, a cena house music e seu relacionamento com a comunidade ballrom. Confira nossa entrevista exclusiva.
Beat for Beat – Você é um artista que recentemente decidiu fazer o caminha inverso de muitos da cena eletrônica e já ir para a produção musical. O que te trouxe para esse caminho?
Biel Lima – Eu acredito que a minha própria carreira musical me trouxe para a produção de música eletrônica. Eu decidi ser cantor cerca de vinte anos atrás, quando comecei no rap, rnb, até que me apaixonei pela house music e a música eletrônica como um todo. Foi então que percebi que na quebrada, nas periferias, pessoas pretas não tem o hábito de produzir música eletrônica.
Claro que temos algumas pessoas que saíram das quebradas tocando música eletrônica, como o grandioso DJ Marky, que construiu um legado no Drum’n’Bass, mas maioria das pessoas acabam produzindo um outro tipo de música eletrônica, que é o o funk, por exemplo. Como outros gêneros não são tão difundidos, como a house music, por isso decidi enveredar por esse caminho.
B4B – Você, sendo da quebrada, da periferia, onde não existe o hábito de consumir a música eletrônica, como chegou até ela?
Biel Lima – Foi a house music especificamente que me trouxe para esse mundo, principalmente por conta das divas. Tony Braxton, por exemplo, que sempre teve remixes com essa pegada mais Chicago. Quando comecei a entender o que é era House Music, acabei me apaixonando ainda mais, pois percebi que assim como o hip hop, entre muitas outras culturas, como jazz, a house music veio da quebrada, de pessoas pretas. Descobrindo isso, decidi que era o que eu queria fazer, assim como o Rnb.
B4B – E quando falamos da criação da house music, você começar a produzir, é uma forma de se reapropriar daquilo que é seu. Você acha que a música eletrônica tornou-se heteronormativa cis branca?
Biel Lima – Completamente e não só a música eletrônica, mas como muitas outras coisas. O rock, por exemplo, também veio de uma mulher preta, a Rosetta Tharpe. O jazz começou com instrumentos de música clássica reciclados, improvisados, por pessoas pretas que não tinham dinheiro… A música eletrônica também veio daí, e quero realmente reviver essas raízes, me apegando mesmo no que é passado.
Eu tenho um projeto chamado ‘House é Som de Preto’. Eu quero transformar isso em um show pra reafirmar cada vez mais da onde veio e o que é essa música que tanto faz a cabeça da galera nesses grandes festivais.
B4B – Além de ser cantor, produtor musical, você também faz parte da comunidade Ballroom. Quando foi que essa filosofia de vida entrou na sua?
Biel Lima – A ballroom entrou na minha vida em um momento que eu nem percebi. Eu danço também e acredito que a ballroom, e até mesmo a house music, chegaram até mim através da dança. Descobri house dance, obviamente por conta da house music. Essa musicalidade tem muito soul, muito instrumento vivo e dentro da house dance, descobri o voguing, que é um estilo de dança que tá dentro da comunidade Ballroom e aí eu descobri que existe também a vertente do vogue beat, isso lá em 2010 aproximadamente. Eu não sabia os nomes, não conhecia nada, só tentava reproduzir os movimentos.
Em meados de 2013 eu conheci o Félix Pimenta, que é pioneiro da comunidade ballroom, meu grande amigo, meu irmão. Ele me mostrou como era fazer parte de um movimento que virou uma cultura que é muito similar ao hip hop. Passei a entender melhor sobre as casas, entendi que tem um chanter, commentators, mergulhei e estudei sobre aquilo.
Em 2014 eu comecei realmente a viver a comunidade ballroom e tentar me afirmar cada vez mais como um uma pessoa que faz parte dessa comunidade e que fomenta a comunidade de um certo modo.
B4B – E você pretende levar sua formação como produtor musical para dentro da ballroom?
Biel Lima – Sem dúvida alguma, porque é uma cena que ainda tá muito carente de meios de produção. A comunidade ballrom também vem das periferias. Mesmo que as grandes balls aconteçam no centro da cidade, as pessoas saem das quebradas para realizares suas apresentações e para essa comunidade tentar viver, precisamos cada vez mais pessoas que estão pensando em meios de produção, em fazer acontecer e pra fazer acontecer a ball, a gente precisa de uma mínima estrutura possível. Cada vez mais, queremos trazer coisas que são concebidas aqui no Brasil, como a música.
Nós consumimos dos gringos de Nova Iorque, por exemplo, seja em musicalidade ou referências. Hoje, aqui no Brasil, a gente já tem várias Femme Queens referências, como a Zaila. Nós precisamos, cada vez mais, tentar trazer essas pessoas para lugares de protagonismo, para que saibam que a pessoa existe e que não é só Pose, Legendary, que isso só vai ser visto lá fora nos Estados Unidos. Aqui existe nossa cultura e ela precisa ser vista.
Muita gente não conhece a nossa cena, nossos artistas, pois muitas empresas e marcas só lembram de nós quando precisam, mas tem muita gente fazendo coisa aí todos os dias e eu quero ser um um produtor, não só um produtor cultural, mas um produtor artístico, um produtor musical que vai produzir vogue beat e que vai trazer também no meu show, essa linguagem ballroom.
B4B – Você fala sobre a comunidade ballrom não ter pessoas que possuam os meios de produção e quando isso se vira para você, ser preto, gay, da periferia, te prejudicou na hora de achar alguém para trabalhar junto?
Biel Lima – Total, eu comecei no rap, na Bela Vista, em 2007 , num momento em que as pessoas não estavam discutindo sobre identidade de gênero, sexualidade, até tinham algumas discussões em alguns polos que são muito menos acessados. Hoje falamos mais sobre isso, a gente discute mais sobre isso, tá mais latente do que antes, mas foi muito difícil.
Na verdade é difícil até hoje. Eu trabalho em um restaurante ainda, porque eu não consigo me estabelecer como um artista preto, gay, que veio da quebrada e que não tem dinheiro pra se manter só da música. Eu acabo competindo também com essa indústria que escolhe um tipo de corpo, coloca num estereótipo e acaba que só alguns tipos de pessoas conseguem ter oportunidades.
Mas assim como eu, tem muitos outros que estão lutando para poderem fazer um show, para produzirem. A minha intenção principal, fazendo meus cursos, me profissionalizando, seja como produtor musical ou na área de marketing, que também estou estudando, é para subverter isso e poder ajudar pessoas que estão no corre, assim como eu.
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