De forma despretensiosa, Traffic Jam começou sua carreira e hoje, já possui grandes clubs em seu currículo. Descubra esse talento!
Quem é de Curitiba e está sempre nas festas que rolam na cidade, provavelmente já ouviu ou dançou ao som de Traffic Jam; apesar de novo, o DJ tem espalhado seu nome com um trabalho sólido, já tendo se apresentado nos principais clubs do Brasil, como Vibe, Beehive, D-EDGE e Warung. Pela proximidade com Albuquerque e outros players da cena, começou a carreira de DJ despretensiosamente até virar algo profissional, mas essa história você conhece em detalhes abaixo nesse entrevistão com Joao Pedro aka Traffic Jam. Descubra:
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Beat for Beat – Traffic Jam é, na verdade Joao Pedro. Girando o disco um pouquinho, quando foi que você começou a ter contato com a música eletrônica e o que motivou você a idealizar o projeto?
Traffic Jam – Meu primeiro contato foi quando eu tinha uns 13 ou 14 anos, comprei o DVD do Fatboy Slim, Big Beach Boutique 2, um clássico, um evento na beira do mar com 250 mil pessoas. Quando assisti foi um choque, toda aquela energia… foi aí que começou meu interesse pela discotecagem. Fui atrás de alguns nomes que ele tocou, como Basement Jaxx, Underworld, Tim Deluxe, Layo & Bushwacka… Esse último acabou sendo sendo meu primeiro Warung que eu fui, em 2006, e a partir daí comecei a ir regularmente (alguns anos cheguei a ir em todos, risos).
Criei o hobby de ouvir sons, pesquisar e ir em festas, então a vontade de ser DJ apareceu. Sem pretensão, comecei com meu nome mesmo, antes do Traffic Jam. Nessa época eu estava conhecendo o Ricardo (Albuquerque) e acabamos ficando bem amigos pela afinidade musical e claro, todas as outras variáveis de uma amizade saudável. Ele propôs da gente tocar junto, para mim foi um baque e um desafio, afinal eu tinha acabado de começar a discotecar e ele já era DJ profissional, residente da Lique (clube tradicional de música eletrônica de Curitiba que existiu de 2006 até 2012), e já estava começando a tocar no Warung, isso em 2011.
Então para fazermos um paralelo de nossas carreiras solos, queríamos um nome, que foi Traffic Jam. Porém, por estarmos vivendo momentos diferentes, eu começando, ainda estudando, fazendo estágio e ele já 100% focado nisso, decidimos focar nos projetos solos. Mas como o nome era bom e o que eu usava antes eu não achava interessante, que era J Battistella, acabei ficando com a alcunha (risos).
Quais eram os sons que bombavam naquela época e serviram como um empurrão na criação e evolução do projeto?
Traffic Jam – Diversos, mas lembro de algumas especiais que marcaram época para nós como: Maya Jane Coles – ‘What They Say’; Deniz Kurtel – ‘The L World‘; Benoit & Sergio – ‘Everybody’; Infinity Ink – ‘House of Infinity’; Oxia – ‘Sun Step’; Franck Roger – ‘After All’. Enfim, muitas, que ainda continuam atuais, afinal, música boa não tem prazo de expiração.
Santa Catarina e Curitiba sempre tiveram seu destaque na cena eletrônica, com núcleos, clubs e iniciativas interessantes, mas nada se compara a São Paulo. Você nunca pensou em se mudar pra cá? O Sul sempre ofereceu o que você necessitava como artista?
Traffic Jam – Eu cheguei a ficar três meses em São Paulo, em 2016, para fazer um curso no Instituto de Áudio e Vídeo (IAV). Não considero que morei na cidade, mas foi interessante para ter uma melhor perspectiva da capital e conhecer a grande diversidade de festas de lá, porém, vejo o Sul com a mesma força. Se for pensar como região (comparando uma cidade para uma região inteira) e como é relativamente fácil ir para qualquer lugar de Curitiba, creio que aqui seja um local bom para se trabalhar com música eletrônica, além de termos diversos clubes e festivais aqui, temos essa facilidade em ir para outras cidades tanto do PR mas principalmente SC e RS.
Também creio que Curitiba tenha mais espaço para o House, eu não cheguei a viver, mas meus amigos que saíam na década de 90 me contaram que era muito forte e eu creio que isso ainda influência, mesmo que não tão diretamente. Entretanto, para o Techno, eu consideraria morar em São Paulo.
E qual exatamente é o seu relacionamento com a música eletrônica no atual estágio da sua vida? Você se mantém apenas com ela? Como está sendo agora nesse período sem gigs?
Traffic Jam – É tudo o que eu faço, full-time job. Apesar de DJ ter fama de gostar de dormir tarde, gosto muito da parte da manhã e sempre estou no estúdio de segunda a sexta no mínimo das 9h as 19h (na quarentena ainda mais).
Sim, me mantenho apenas com ela, mas está sendo duríssimo. Durante o período ‘pré’ eu consegui montar meu estúdio e tudo o que eu preciso para trabalhar, então, com bastante planejamento financeiro, estou conseguindo manter meu básico e está sendo de grande aprendizado também, de como conseguimos enxugar várias coisas que achávamos “essenciais” no período pré-pandemia.
Mas me considero um privilegiado, eu vinha guardando dinheiro para comprar novos equipamentos há um bom tempo e quando eu ia de fato efetuar a comprar, aconteceu a pandemia, então realoquei os recursos para passar por esse momento. Sei que essa não é a realidade da maioria dos artistas independentes e isso me deixa profundamente triste, em ver pessoas talentosíssimas, trabalhadoras, tendo que deixar de lado a música, temporariamente, para se manter nesse período. Toda minha compaixão a eles.
Também estou contando com a sorte. O uso profissional de equipamentos eletrônicos fazem sempre precisar de manutenção, estou torcendo para não ter que precisar trocar nada, como computador, por exemplo, aí todo esse meu papo acima vai por água abaixo.
Atualmente tem sido comum vermos muitos DJs tornando-se produtores e até iniciando a carreira pelo trabalho de estúdio. Você, pelo contrário, sempre focou mais na parte de discotecagem…. como você enxerga esse movimento?
Traffic Jam – Uma das coisas que me deixam motivado e confiante para um futuro saudável, criativo e produtivo da nossa cena, é a nova geração começando e já focando na produção. Isso vai elevar o nível artístico do nosso país no médio prazo, na minha opinião. Tenho acompanhado de perto o trabalho de um jovem chamado Igor aka LOSTIN, que fez exatamente isso, começou pela produção, estudou muito e hoje está lançando junto do Albuquerque e tendo suporte de artistas como Hernan Cattaneo. Vejo um futuro próspero para isso.
Eu acho que isso se dá a diversos fatores, no Brasil, pela dificuldades em importação de equipamentos. Antes de termos barateados a internet (e mais rápida) e computadores relativamente acessíveis, estávamos muito atrás de outros países, então o padrão antigo era começar DJ e se aventurar nas suas próprias batidas, mas isso foi mudando, devido ao trabalho sério de pessoas como o Rafael Araújo com a AIMEC. Isso para mim é um marco de amadurecimento da cena e expansão do conhecimento relacionado ao nosso tema, e em especifico, produção. Hoje, com acesso a diversos tutoriais, internet rápida, geração nova muito autodidata e claro, escolas de música eletrônica, isso foi mudando para melhor.
No meu caso, como mencionei no começo da entrevista, eu comecei a discotecar apenas porque gostava muito de música eletrônica e queria entender melhor, daí a curiosidade virou hobby e o hobby profissão; nisso, em 2016/17, fui atrás de estudar produção. Cheguei a ir para São Paulo e desde então foi um conhecimento contínuo e árduo. Já lancei algumas músicas, mas eu quero chegar num patamar “x” antes de eu, de fato, ter uma sequência contínua de lançamentos. Não quero fazer por fazer, quero fazer e lançar quando eu sentir que estarei agregando artisticamente para a cena e espero, humildemente, estar próximo a isso. Esse próximo semestre será um marco para mim.
O núcleo Radiola teve um papel importante na sua formação, hoje em dia essa proximidade ainda existe? O que de mais interessante você absorveu e aprendeu estando perto deles?
Traffic Jam – Sim, existe mais do que nunca. Além da proximidade com todos, trabalho como um dos A&R da gravadora. Foi (e é) uma escola, pois os fundadores, Guilherme Assenheimer (Haustuff) e Albuquerque, me ensinaram muita coisa e me mostraram os caminhos. Haustuff tem um conhecimento técnico de festa e estúdio absurdo, já o Ricardo, um dos meus amigos mais próximos, foi quem me ensinou o que é ser DJ, o que isso representa, qual deve ser o meu papel e meu objetivo. E não só eles, toda a nossa comunidade envolvida, os residentes e frequentadores da casa, cada um tenho algo a enumerar, o que daria para fazer uma matéria só disso (risos).
Como um DJ de formação, quais as características que você leva consigo como fundamentais para uma apresentação ser impecável?
Traffic Jam – Dedicação, empatia, humildade e gratidão. Primeiro: quanto mais você se dedicar na sua pesquisa, procurar sons novos, não esquecer dos antigos, deixar tudo bem organizado, para você conseguir facilmente resgatar aquela música “das antiga” no momento chave da festa, por exemplo, fará toda a diferença. Para mim, é quase matemática básica, mais tempo se preparando, melhor a apresentação.
Segundo: empatia. Sempre se colocar no lugar de quem está na pista. Entender o propósito da festa, o propósito das pessoas que estão ali, de quem te contratou, isso faz você se conectar melhor e fazer aquele clichê ser verdade: “todos conectados sobre um mesmo groove”.
Terceiro: humildade. Você não é melhor do que ninguém, você sempre pode aprender mais, você não vai “quebrar tudo” toda vez, mas você pode trabalhar para que sejam mais resultados positivos.
Por último mas não menos importante, gratidão. Grato por poder trabalhar com música, estar feliz por poder estar transmitindo suas emoções através da sua música para aquelas pessoas na festa (ou por sua produção). Creio que tudo isso gera uma onda que indiretamente as pessoas vão sentir quando você for tocar.
Para finalizar, uma pergunta um pouco mais reflexiva: como você enxerga e avalia a cena de Curitiba nesse momento — desconsiderando a pandemia — e o que você avalia ser necessário para que ela continue crescendo de forma sustentável? Valeu!
Traffic Jam – Desconsiderando a pandemia, muito positivamente, vários clubes novos como a Inbox, outros estabelecidos há mais de uma década como a Vibe e continuando na ativa fortemente. Galera nova com um som legal, diversos núcleos bacanas surgindo como a Plantae, 5 of Us, Fleurs, Puzzle… Gravadoras novas chegando como Lumutang, outras estabelecidas mas gerando um conteúdo de alta qualidade como a Laguna Records.
Cena feminina crescendo, com ótimos nomes como Solare, Gab1, Polsky, Agrabah, Ella, Letícia Pailo. Eu estou (ou estava, tá tudo confuso no momento) bem confiante com a nossa cidade. Creio que quanto mais união tivermos mais vamos crescer, quando todos entendemos que “somos um só”, se um cresce o outro cresce também, iremos evoluir mais.
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