DJ e performer Live Act, Eliézr comenta a diferença entre Live DAW, Híbrido e DAWless

Artista curitibano se alia à tecnologia para manter autoralidade e criatividade

Eliézr

Por Rodrigo Airaf

Já faz um bom tempo que os olhos e ouvidos do cenário brasileiro de música eletrônica, em especial na região sul, se voltaram ao talento de Eliézr. Com um trabalho cheio de elasticidade e criatividade, o artista curitibano se desafia a cada batida para trazer ao público combinações e sensações únicas a cada apresentação no formato Live Act”. 

Isso se dá pelo seu compromisso de misturar em seu projeto autoral as referências que fizeram parte da sua vida nas últimas décadas. Indie Dance, Electro, Nu Disco, Techno, French House, Acid, Synthwave e Synthpop… tudo se conecta em um set de Eliézr, trabalho que já se mostrou tanto na sua própria festa, a FABRIK, quanto em rolês como Subtropikal, Discoteca Odara, Covil, Dhangai, Escucha (SP) e Comuna (RJ). 

Não é surpresa que um Live Act como o do Eliézr exige muita prática e dedicação para chegar ao público de maneira fluida. Além disso, é comum haver formatos diferentes desse tipo de performance – Live DAW, Híbrido e DAWless. Para elucidar os entusiastas produtores de plantão que nos leem, convidamos Eliézr para comentar as diferenças entre tais formatos.

ELIÉZR

Olá, pessoal! Primeiramente, queria agradecer pelo convite para poder falar sobre um assunto que desperta bastante curiosidade nos amantes de música eletrônica, mas raramente é debatido por aí. Antes de diferenciar os formatos de Live Act, acho importante falarmos um pouco sobre sua diferença com o DJ Set.

Em resumo, o DJ é o artista que mistura músicas prontas (seja dele ou de outros artistas) para contar uma história através do seu set. Pode usar recortes de uma música, tocar a música toda, aplicar efeitos, usar apenas o grave de uma música e o agudo de outra, enfim… vale a criatividade do artista para manipular músicas que já existem e entregar algo novo para o público a partir da sua interpretação, pesquisa e seleção musical.

Já no Live Act não existe uma música pronta. Apesar de haver a possibilidade de tudo ser previamente programado e timbrado, não existe um arquivo final de áudio. Isso permite que o artista tenha uma maior liberdade para criar ao vivo e trabalhar cada elemento no detalhe. A depender da sua interação com a pista, é possível tirar e adicionar instrumentos (como cortar o kick, aumentar o volume dos hats), alterar o arranjo (criando por exemplo um break a qualquer momento) ou até mesmo trocar a timbragem dos elementos (deixando a bateria mais orgânica e trocando o som de um synth por um piano se sentir que a pista reage melhor às referências de House, por exemplo).

Apesar das suas diferenças, é importante que uma coisa fique bem clara… Não existe melhor ou pior. Quando falamos de arte, o objetivo final é tocar o público de alguma forma, e isso é muito relativo. Essa subjetividade vale tanto para a distinção entre DJ Set e Live Act, quanto para os tipos de performance ao vivo.

Com isso em mente, vamos às diferenças e a recomendação de alguns artistas nacionais pra vocês acompanharem.

LIVE DAW

O Live DAW, como o nome já diz, é construído através de um programa sequenciador / editor de áudio digital, conhecido como DAW (Digital Audio Workstation), ou seja, o hardware principal é um computador/notebook que roda um software (o mais comum é o Ableton Live). Através deste programa, o artista dispara clipes de áudio, toca instrumentos virtuais, aplica efeitos e processa o resultado desta soma de elementos.

De um modo geral, o artista reproduz a bateria, sintetizadores e demais instrumentos a partir de uma série de áudios (samples/loops), que são sequenciados e manipulados com a ajuda de controladores para proporcionar uma maior tocabilidade e domínio das funções do programa. Alguns artistas também costumam cantar e tocar instrumentos orgânicos na apresentação ao vivo para dar sua identidade ao projeto.

A vantagem de adotar esta modalidade é que todo seu show cabe em um notebook, então a logística, o custo e o acesso ao próprio equipamento são simplificados. Em contrapartida, a apresentação fica completamente dependente de um computador, que é suscetível a falhas, superaquecimento e possui capacidade de processamento limitada.

Alguns artistas brasileiros que se apresentam desta forma: Dec90, L_cio, Meduna, Moozeic, Noporn.

Exemplo de setup DAW

LIVE DAWLESS

O Live DAWless é o modelo oposto da proposta anterior. Nele o artista deixa o computador de lado e produz sua apresentação apenas com equipamentos de hardware, como sintetizadores, máquinas de bateria, samplers e processadores de efeito.

Cada peça tem uma função definida e a seleção destes instrumentos é o fator elementar para a construção da identidade do projeto. Como a combinação dos equipamentos depende do workflow e do estilo musical de cada artista, é difícil eleger um setup padrão para este tipo de apresentação, mas geralmente o Live é composto de um cérebro (brain) que é responsável por enviar informações MIDI aos demais instrumentos para que tudo toque em sincronia.

Essa é a modalidade que eu me apresento e quem assume o papel de cérebro do meu setup é a Digitakt, da Elektron, que também funciona como um sampler. Os demais instrumentos dependem do tipo da apresentação que eu vou fazer, mas os que carrego na mala com mais frequência são a Elektron Syntakt (máquina de bateria e sintetizador), o Behringer Model-D (sintetizador), o Roland JD-Xi (sintetizador) e o Roland MX-1 (mixer e processador de efeitos).

O que leva o artista a se apresentar neste formato é a tocabilidade dos equipamentos de hardware e as características singulares de cada instrumento que compõem o setup, além do fato de não ficar refém das instabilidades geradas pelo computador. Os fatores contrários são a logística, com complicações no transporte e montagem para o show que variam de acordo com o tamanho e complexidade do setup; a curva de aprendizado relativa às funcionalidades de cada instrumento; e, infelizmente, a falta de acesso aqui no Brasil à grande parte dos equipamentos.

Por mais estranho que possa parecer, a limitação que os instrumentos de hardware impõem ao artista não são encarados como um ponto contrário. Quem opta por essa modalidade busca na própria escassez de recursos um fator positivo para explorar sua criatividade e aumentar sua agilidade na produção. Eu, por exemplo, me sinto muito indeciso quando tenho várias opções à minha disposição, então limitar meu setup a poucos instrumentos, com funções bem definidas, me obriga a conhecê-los melhor e extrair o máximo de cada equipamento. Como o pessoal do DAWless costuma dizer, “limitation breeds creativity”.

Alguns artistas brasileiros que se apresentam desta forma: Ale Reis, Ana Ritzz, Diogo Strausz, Eliézr. Entropia, Érica, Mister Maguila, Nelson D, Serra das Máquinas, Teto Preto, Wehbba e Zopelar.

Exemplo de setup DAWless, utilizado por Eliézr em sua apresentação no James Club

 

LIVE HÍBRIDO

O Live Híbrido é o que podemos considerar “o melhor dos dois mundos”. Nessa composição, o computador geralmente assume o papel de brain do setup e atua como master dos instrumentos eletrônicos. 

O ponto positivo é a junção da versatilidade da DAW com a tocabilidade e característica dos equipamentos de hardware, então o céu é o limite! Em contrapartida, os pontos contrários também são somados, uma vez que existe a dependência do computador; permanecem os problemas de logística, acesso e aprendizado dos hardwares; além de complicações adicionais como atrasos e falhas na sincronização entre o computador e as demais máquinas. Mas quem se importa quando você pode ter tantas possibilidades à sua disposição?

Alguns artistas brasileiros que se apresentam desta forma: Beat!Riz, Bry Ortega, Digitus, Elekfantz, Forró Redlight, Gui Boratto, Hanuman Kid e Live Motel.

Exemplo de setup híbrido

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