Mulher cis, lésbica, DJ, produtora e um verdadeiro ícone na comunidade LGBTQIA+ da música eletrônica. Veja nossa entrevista com Ella De Vuono.
Uma grande amiga do Beat for Beat, Ella De Vuono dispensa imitações. Uma das grandes artistas LGBTQIA+ do Brasil, Ella contou pra gente um pouco sobre sua luta em nossa comunidade, falou sobre preconceito e aceitação, além de criar uma playlist super especial, que celebra a diversidade.
Confira agora nosso papo com Ella De Vuono, convidada da #PrideWeek 2020.
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Beat for Beat – Oi Ella, muito obrigado por conversar com a gente nessa semana tão especial. Pra começar, conta pra gente: você já sofreu algum preconceito ou dificuldade para agendar gigs, por conta da sua orientação sexual?
Ella De Vuono – Oie, é sempre um prazer falar com vocês! Obrigada vocês por lembrarem de mim e darem visibilidade ao meu trabalho.
Olha, felizmente nunca sofri preconceito em gigs no meio da música eletrônica (clubs e festas), mas teve um job em especial, que era para tocar em um evento corporativo e o cachê era super bom, que fiquei sabendo que não me escolheram por ser lésbica. Segundo o responsável, ele tinha medo que eu desse em cima das mulheres no local. Acredito que esse julgamento dele, deve partir de suas próprias atitudes.
Ser uma mulher cis, lésbica, traz em sua essência a hiper sexualização do seu corpo e até das suas relações, visto que muitos homens ainda possuem fetiche em casais. Você já sofreu assédio ou passou por alguma situação desconfortável, por conta disso?
Ella – Essa é a minha vida. Posso contar no dedo quantas vezes sofri preconceito por ser lésbica, mas as vezes que fui assediada por conta disso, são incontáveis. Por isso que eu e minha namorada não “baixamos a guarda” para nenhum homem que se aproxime, não perdoamos nenhuma “brincadeirinha”, não deixamos passar nenhuma insinuação. A gente já corta no ato, porque simplesmente não toleramos.
Na grande maioria das vezes, um “elogio gentil” (entre muitas aspas) acabou sendo um assédio disfarçado e os homens queriam mesmo tentar alguma coisa. É complicado, pois se não damos moral, somos metidas e arrogantes. Se damos, é que estamos dando mole e queremos ir pra cama com o fulano. Então simplesmente não tem papo. Fez brincadeirinha, eu corto.
Podemos dizer que assim como no futebol, a música eletrônica transformou-se num ambiente em que se assumir é algo raro e que muitos artistas têm medo do que pode acontecer após “saírem do armário”? Você acha que ainda é necessário se esconder tanto, em pleno 2020 e a que você atribui esse medo todo de dizer quem você realmente é?
Ella – Primeiramente, acho que não existe uma comparação plausível entre música eletrônica e futebol. A música eletrônica surgiu dos guetos, das minorias, dos negros, dos homossexuais, dos excluídos. Liberdade é a palavra de ordem em meio a música eletrônica. Se tem um lugar no mundo que eu nunca nem pensei duas vezes para ser quem eu sou, é em um club, em uma rave.
Lembro no começo, quando me entendi como lésbica (2005), eram nas raves que a gente podia se beijar em público, que a gente podia ser um casal sem medo, mas ainda assim rolavam assédios. Acho que só fui parar de ser assediada em festas como a Carlos Capslock, Gop Tun, Mamba Negra, etc.
Eu acho que nunca é necessário se esconder, nem em pleno 2020 e nem nunca. Acredito que o medo vem de diferentes lugares dependendo da história de vida de cada um, mas ao meu ver, se somos aceitos pela nossa família desde sempre, então esse medo é muito mais fácil de enfrentar em qualquer lugar.
Você é uma verdadeira militante da causa LGBTQIA+. Como DJ, você busca tocar artistas da nossa comunidade, dentro dos seus sets? Além de atos, como você passa a mensagem de respeito durante suas apresentações?
Ella – Sempre que eu posso, toco músicas de artistas que se enquadram nas “minorias”, mas isso não é um fator fundamental para mim. Pois na questão musical, eu levo em consideração a música e apenas ela, gênero, orientação sexual, etnia ou raça, não é determinante.
Minha mensagem é passada de diversas maneiras, visualmente na minha performance, roupa e maquiagem. E na minha música, tanto nas minhas produções que são carregadas de mensagens que trazem diversas questões sociais, quanto em acapellas aplicadas em cima de outras músicas, seja trecho de discursos, ou de entrevistas ou até mesmo de alguma outra música.
Na playlist que você criou pra gente, você colocou grandes artistas LGBTQIA+, além é claro, das Divas supremas, como Madonna, Cher, Diana Ross. Qual o tamanho da influência dessas artistas no seu trabalho e como você tenta traduzir isso no techno?
Ella – Amo! A influência dessas mulheres é gigantesca na minha carreira, meu amor pela Madonna é super escancarado, todo mundo que me acompanha sabe. Para mim, essas mulheres e muitas outras como Nina Simone, Grace Jones, Rita Lee e Maria Bethânia por exemplo, são uma inspiração de que não se separa a artista da pessoa. Que ser uma figura como elas, está sim, em suas atitudes e valores. Que nossa arte tem que ir de encontro com nossos valores e posicionamento.
Eu sempre jogo uma acapella da Madonna, da Lady Gaga, Cher e até da Leandra Leal em cima de algum techno ou house. Além disso, tenho músicas autorais com trechos de entrevistas ou discursos delas também.
Podemos dizer que hoje, o techno é a cena mais inclusiva da música eletrônica. São cada vez mais comuns, festas em que os corpos são livres e podemos ser quem realmente somos. Qual a sensação de fazer parte de um coletivo que foi um dos grandes responsáveis por essa revolução de liberdade de expressão?
Ella – A sensação é de orgulho e pertencimento. Eu amo a Carlos Capslock e já amava sendo apenas frequentadora, depois que entrei para o coletivo como residente, eu pude ver que essa mensagem é realmente genuína, que eles realmente se importam com a cena, com os frequentadores e com todo o staff. Acho que um exemplo disso que estou falando, é a Vakinha que a Capslock está fazendo para conseguir alguma renda para todo o staff que ficou sem trabalho com o cancelamento de todas as festas deste ano.
Como eu já citei acima, nunca esqueço da sensação de alívio que tive de passar uma festa inteira curtindo numa boa sem ter sido assediada. E quem educa parte do público que não recebeu tal educação de berço, é a festa.
Pra finalizar, o que a Rafaella diz todos os dias, para a Ella De Vuono? O que move a sua luta diária, para mostrar para o mundo, que todos somos iguais? Obrigado!
Ella – Acho que a Rafa fala assim: Ella, beesha cê tá arrasando! Continue assim porque eu dependo da senhora pra viver!
O que me move é exatamente a inconformidade de ficar calada. Como me calar diante de tanto ódio? De tanto preconceito? Me manter neutra é ser conivente com tudo de ruim, é medíocre, é raso. Parafraseando Bob Marley: As pessoas pessoas que tentam tornar esse mundo pior não tiram um dia de folga. Como eu vou tirar?”
Obrigada você pelo espaço, espero que gostem da playlist.