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Entrevistamos: Aline Rocha

De uma carreira de 16 anos, seus últimos 3 foram os melhores de sua vida, apaixonada pela house music e pela igualdade, entrevistamos Aline Rocha.

Aline Rocha
Aline Rocha

DJ e produtora natural de Franca, interior de São Paulo, Aline Rocha é uma daquelas mulheres guerreiras que todo o mercado fonográfico admira. Com 16 anos de carreira, durante a pandemia, conseguiu resgatar suas raízes na house music e participar do maior festival do gênero no mundo, da gravadora inglesa Defected Records. Hoje defendendo o bom e velho house, a produtora comemora suas conquistas mais que merecidas com uma agenda cheia de shows, incluindo uma residência mais que especial no Amiiici, club localizado em Sorocaba, interior de São Paulo, que nos recebeu para entrevista histórica no Beat for Beat. Entrevistamos Aline Rocha!

Aline Rocha

B4B: Primeiro, gostaria de agradecer por esta entrevista, há quase dois anos que espero por uma e desde quando a casa abriu aguardamos ansiosos por você. Gostaria de saber, como foi que você se apaixonou pelo house, um gênero tão vanguardista e delicado ao mesmo tempo? 

Aline: Obrigada! É louco, eu tenho 15 anos de carreira, vou fazer 16 já, só que no meu começo, como o começo de todos, eu tinha que tocar, encher minha agenda de shows e você acaba tocando de tudo um pouco para ganhar dinheiro para sobreviver, mas o house sempre estava no meu background, mesmo eu nunca dizendo “Ah, agora vou tocar house.”, mas ele sempre esteve presente no meu trabalho, mesmo eu tocando EDM, ou até mesmo brazilian bass, ele sempre estava no meu trabalho de uma maneira, mas eu não estava feliz com meu trabalho e foi quando chegou o momento que eu me perguntei “É isso mesmo que você quer fazer na sua vida?”. 

Então em 2019, fui tirar férias com uns amigos DJs e fomos para a Croácia, decidimos ir numa edição do Defected Festival. E lá no Festival, na Croácia, vendo que era possível tocar House e ser feliz, sabendo que existe público e toda uma magia por trás do House, eu pensei “É isso, é isso que eu quero fazer, vou tocar house quando eu voltar para o Brasil!”. Quando tinha me mudado para Florianópolis, em alguns clubs eu já conseguia introduzir mais do gênero, mas a mudança aconteceu mesmo depois que eu fui pro Defected e me apaixonei.

B4B: Logo quando você voltou pro Brasil, ainda conseguiu trabalhar sua nova identidade musical com mais força, mas logo veio a pandemia e acabou travando toda a nossa cena. Mesmo assim, você foi uma das artistas brasileiras que mais se destacaram internacionalmente. Como você conseguiu desenvolver um bom trabalho durante este tempo e como você desenvolveu sua saúde mental?

Aline: É engraçado, a primeira coisa que eu e meu namorado pensamos quando a gente entrou durante a pandemia, foi mostrar a minha arte na janela de casa, igual naqueles prédios lá fora, mas a minha primeira vez foi um fracasso, porque o pessoal do condomínio achou que era festa, fizeram até panelaço para mim e eu pensando “Que povo chato, só to querendo trabalhar, mostrar minha arte, ninguém entende de música aqui”, toda revoltada, e 10 minutos depois tocou o interfone da minha casa e era minha vizinha de parede, que nunca tinha visto e nem conversado com ela. 

Ela quis me agradecer, disse que adorou meu som, que estava com câncer, fazendo quimioterapia e que ela e o marido dela estavam trancados e que aquela música tocou ela, que ela até saiu na sacada para escutar mais de perto, dizendo que eu tinha trazido uma luz para o dia dela. Isso me tocou de uma forma muito grande, fiquei muito emocionada, acabamos trocando whatsapp e ficamos amigas, ajudava ela no dia a dia.

Bom ela ligou pra síndica e disse que eu era DJ e que iria fazer live, que era minha vizinha e que tava tudo certo. Comecei a fazer as lives de casa mesmo, logo depois me mudei para Franca, aqui no interior de São Paulo e trouxe todo meu equipamento junto e então tivemos a ideia de criarmos o ‘River’, criando um cenário, minha vibe, canalizando minha energia em criação de cenografia, sempre gravando em frente a um rio, transformando nosso tempo em algo bom e alimentando minha carreira durante a pandemia, porque eu sabia que era de duas, uma, ou eu ia ser esquecida ou eu ia sair dali com minha carreira aquecida. 

Aline Rocha
Aline no projeto audiovisual ‘River’, durante a pandemia

B4B: E o Defected? Como surgiu no meio disso tudo? Eles já conheciam seu trabalho? Como eles te conheceram? 

Aline: Minha história com a Defected começou em 2019, quando fui para o festival deles na Croácia com meus amigos. Estava curtindo muito e durante o segundo ou terceiro dia, estava no palco da label Glitterbox, vendo ‘The Shapeshifters’ e quando ele tocou ‘Lola’s Theme’, uma das minhas músicas preferidas, eu chorei muito, porque tinha batalhado muito pra estar ali, foi uma viagem muito suada. Depois do set, meus amigos me incentivaram a mandar uma mensagem no insta deles, dizendo do acontecido, eles agradeceram e no dia seguinte estava um print de minha mensagem em todas as redes sociais deles. 

Acabei conhecendo o Shapeshifters, Simon Dunmore e eles vieram até mim, entraram no meu instagram e começaram a acompanhar meu trabalho desde então. E em 2020, depois de me stalkearem bastante, fui convidada para participar nos festivais virtuais deles. Toquei com muita gente incrível, Carl Cox, Idris Elba, Bob Sinclair, Sam Divine, Purple Disco Machine e depois tive a oportunidade de conhecer todos pessoalmente, agora em 2021, quando toquei presencialmente lá.  

Aline Rorcha
Aline Rocha no Defected Virtual Festival, 2020

B4B: Como surgiu o convite para você ser residente do Amiiici, essa casa incrível que abriram aqui em Sorocaba, interior de São Paulo?

Aline: Hoje é a terceira vez que eu vim pra Amiiici, o Tuta Menezes me contratou em 2020, mas durante a pandemia a casa acabou não abrindo. Fiz uma transmissão especial para eles e nossa amizade só se fortaleceu desde então, foi quando a gente começou a planejar mais coisas juntos. Eu gosto muito de Sorocaba e gosto muito do Amiiici Club também, eu acho que eles tem uma vibe única. 

Aline Rocha
Aline no Amiiici Club

B4B: Para encerrar, já vemos um movimento feminino maior nos line ups do Brasil e do mundo, como você visualiza essa equidade de gênero? O Brasil ainda tem muito o que melhorar, mas acha que já estamos vendo esse movimento acontecer de forma natural? 

Aline: Olha, eu não gosto de falar de gênero em si, eu gosto de falar de igualdade. Três meses trabalhando aqui e lá fora, ainda é um curto período de tempo para saber definitivamente, mas vejo uma diferença muito grande aqui, temos um caminho muito longo a se seguir. Ainda acho que a diferença de oportunidade no Brasil é muito discrepante. Eu vou aproveitar esse espaço para dizer que a mulher é muito julgada sem o prévio conhecimento, então você mal conhece ela, que você já está julgando ela por diversos motivos, seja visual ou comportamental, isso vem antes do trabalho dela.  

Eu sinto que a gente tem um longo caminho para que a mulher seja visto com respeito, independente da cena em que ela atua, do caminho que ela escolhe, da roupa que ela veste, a mulher precisa ser olhada com muito mais respeito. E eu não falo apenas de gênero, eu estou falando de igualdade de oportunidade, porque as barreiras são muito difíceis e elas desistem muito antes de conquistarem alguma coisa. Hoje eu tenho 16 anos de carreira e só agora eu estou conquistando meu espaço, nem todas tem essa resiliência e força de vontade para persistir. A gente não quer um line só de mulheres, a gente quer igualdade, porque onde há muita divisão, segmentação, não há união. Igualdade pro DJ homem que tá começando, pra DJ menina que tá começando, é isso. Igualdade, oportunidade e diversidade. 

E não é à toa que você representa muito bem o house Aline, obrigado pela entrevista!