Formado em 1993, o duo francês Daft Punk impactou e continua a exercer enorme influência na indústria da música eletrônica
Introdução por Nicolle Prado
Texto por Lucas V.
A música vive em constante movimento. Sonoridades nascem, gêneros se ramificam, estéticas atingem o ápice, desaparecem e voltam repaginadas. No universo musical, tudo se recicla e nada se descarta, mas sim, se transforma. Neste ciclo infinito, algumas raridades surgem e mudam completamente o caminho da indústria, depois delas, nada é o que era antes. Um cometa que atinge o solo terrestre e modifica tudo ao seu redor é uma boa metáfora a todo o impacto causado por esses especiais acontecimentos, e bom, Daft Punk, com certeza, foi uma dessas estrelas.
O duo francês formado por Thomas Bangalter e Guy-Manuel de Homem-Cristo surgiu em 1993, na França, e estes são os nomes responsáveis por massificar a cena eletrônica mundial, transformar conceitos e influenciar toda a indústria fonográfica. A trajetória da dupla é longa, e durante seus quase 30 anos de carreira, sempre foram conhecidos pela sonoridade revolucionária, que os tornou, com certeza, uma das principais referências para artistas de todos os gêneros.
Se fora do Dance Music, eles já possuem toda esta relevância, dentro do cenário eletrônico, eles são gigantes. Todos foram atingidos pela magnitude dos caras depois que eles apresentaram ao mundo o French House. Este gênero combina diferentes vertentes como House, Techno, Acid House, Electro, Rock, Pop e Funk de maneira singular e em uma estrutura inteligente e equilibrada, diferente de tudo que já tinha sido feito anteriormente. E assim, eles inspiraram milhares de pessoas pelos quatro cantos do planeta.
Lucas Vieira da Silva, ou melhor, Lucas V., é um desses artistas que sentiu sua vida mudar totalmente desde que conheceu o som da dupla francesa. Esta paixão surgiu em 2007, quando teve o encontro com o álbum “Discovery” – que hoje, leva tatuado na pele -, e então, após pesquisar toda a história do Daft Punk, decidiu mergulhar no universo da música eletrônica e se tornar DJ com o objetivo de levar os sentimentos e sensações que o duo despertou dentro de si.
“Eu sempre falo que o Daft Punk me colocou neste universo de beats e melodias. Gostava de ficar em frente ao rádio ouvindo New Order, Pet Shop Boys, Queen, muito pela influência do meu pai. Mas quando eu ouvi e conheci o Daft Punk, foi algo diferente, senti como se tivesse descoberto ouro. Eles pautaram todo o meu gosto e identidade musical. Acredito que se não fosse por essa descoberta, eu não teria todo esse amor pela música. Eles me ensinaram a como respeitar a música e compartilhar o seu amor com quantas pessoas puder, independente da distância, idioma, classe, ou qualquer outro ponto de obstáculo. A música é democracia e precisa ser exaltada sempre”, comenta Lucas V.
Ele também se recorda de quando tinha seus 16 anos, época em que ia para Lan House procurar vídeos e matérias sobre a dupla. “Eu não tinha internet em casa e sempre pedia uns trocados pra minha mãe para ir até a lan house. Eu queria consumir tudo que fosse deles. Infelizmente não tive a sorte e a idade para vê-los ao vivo, mas ainda confio que esse dia chegará”.
Hoje, DJ há 08 anos, convidamos Lucas, um expert quando o assunto é Daft Punk, para relembrar a trajetória do duo que revolucionou o Dance Music. Confira:
De Darlin à Daft Punk
Guy-Manuel e Thomas começaram a ser amigos ainda na escola, quando se uniram pelos gostos em comum por música e filmes da década de 60 e 70. Com a aspiração para se tornarem artistas, iniciaram a banda de rock Darlin, junto a outro colega Lauren Brancowits, e até chegaram a tocar em alguns clubes da região. Mas, o som não foi bem recebido pela crítica que os chamou de “um bando de punks estúpidos”, ou melhor “daft punky”. A banda acabou, mas eles aproveitaram a crítica para formar o duo.
Na época, eles tinham começado a frequentar raves, e como já eram apaixonados pelos sintetizadores dos anos 70, decidiram reinventar o seu som e criar algo totalmente novo. A nova empreitada deu certo, o que levou eles ao estrelato logo no segundo single, o hit “Da Funk” em 1995.
A faixa faz parte do primeiro disco, “Homework” que combina elementos do Techno e House com muito groove, baterias eletrônicas arrojadas, synths vibrantes, toques de rock e letras chiclete como em “Around The World” que virou o principal single do trabalho:
O álbum foi sucesso de vendas e críticas, e além de surpreenderem pela sonoridade, o trabalho do duo chamava a atenção pelo visual artístico, desde os videoclipes conceituais, que formavam uma série chamada de “D.A.F.T. – A Story about Dogs, Androids, Firemen and Tomatoes” dirigida por cineastas renomados, até o modo de vestir (os famosos capacetes).
“É engraçado que 90% dos fãs que eu converso tem o Homework como o seu álbum preferido. Não é o meu caso, apesar de amar Homework e também sei a disrupção que o álbum causou no cenário da música eletrônica. Faixas como Revolution 909, Around The World, Fresh, Phoenix e Burnin são as minhas preferidas — na verdade, todas são as minhas preferidas, rs”.
Discovery
“Discovery” chegou em 2001 reafirmando toda a potência musical da dupla. O trabalho apresentava uma atmosfera mais descontraída e alegre que o anterior, com uma estética mais vibrante e colorida. O objetivo era alcançar novos públicos, o que foi atingido com êxito e fez a E-Music atingir um novo patamar de difusão. Para o visual deste álbum, eles seguiram a ideia de uma coletânea de clipes, dessa vez projetados por Leiji Matsumoto, que criou o longa-metragem “Interstella 5555: The 5tory of the 5ecret 5tar 5ystem” em uma animação estilo anime.
Faixas como como “One More Time”, “Aerodynamic”, “Digital Love”, “Harder, Batter, Faster, Stronger” e “Face to Face” se tornaram hits.
Para Lucas, foi aqui que tudo mudou. “Quando estava no sofá assistindo MTV e vi o clipe de ‘One More Time’, sabia que ali não era uma música qualquer, então nascia um amor que dura até hoje. O clipe, a história, a estética sonora, a melodia, o vocal do Romanthony… foi uma explosão na minha mente e também ali nascia uma curiosidade para conhecer mais sobre essa dupla. Depois descobri que a faixa fazia parte do álbum Discovery, que pra mim é o melhor álbum que já ouvi na minha vida, é a essência do French House! E ainda tinha a animação em parceria com Leiji Matsumoto, que arrebatou diversos fãs e é a minha preferida”.
Ele ainda complementa e descreve o álbum como o significado de perfeição. “Você tem a impactante ‘One More Time’ e ‘Short Circuit’, as lindas e sensíveis ‘Nightvision’ e ‘Veridis Quo’, a calma e doce ‘Something About Us’ e ‘Digital Love’, as viciantes e hipnóticas ‘Superheroes’, ‘Too Long’ e ‘Voyager’… é maravilhoso! Cada música tem um significado muito forte na minha vida e ainda quero tatuar o nome de cada faixa”.
Human After All
O terceiro LP, “Human After All”, foi lançado em 2004 e é o trabalho mais controverso do duo. O álbum é considerado repetitivo, mas mesmo assim, não deixou de apresentar boas músicas como “Technologic”, uma das faixas que mais utilizam samples até hoje, além de “Robot Rock” e “The Prime Time of Your Life” que atingiram um sucesso moderado.
O Human After All é polêmico entre os fãs, mas fã é fã e sempre vai encontrar elogios nas obras de seus ídolos. “Technologic, Emotion, Make Love, Robot Rock e The Prime Time Of Your Life” são as minhas preferidas. As faixas do álbum podem não ser tão impactantes como as faixas dos álbuns Homework e Discovery, porém quando você assiste elas na turnê Alive 2007 são super enérgicas e combinam bem com as outras faixas.
Alive 2007
Mesmo não tendo o destaque esperado com o álbum de estúdio, o oposto aconteceu na turnê que recebeu uma megaprodução, se tornando referência para todos os artistas e até mesmo festivais por conta de sua estrutura gigantesca.
A turnê Alive 2007 foi uma das coisas que mais me impressionou quando eu falo do duo.
Naquela época, artistas do cenário eletrônico não se preocupavam muito com experiências audiovisuais. A turnê foi um marco no cenário eletrônico e mudaria para sempre os rumos dos espetáculos. A turnê é até mencionada no documentário sobre a história do Coachella.
Recorte do documentário sobre a história do Coachella, lugar que recebeu um dos primeiros shows da turnê Alive 2007.
A integração entre laser, LED’s, a pirâmide, as faixas dos álbuns e as máscaras davam toda a atmosfera perfeita para um concerto de deixar qualquer pessoa assustada com tamanha estrutura. O storytelling do show é perfeito, onde eles “nascem” robôs e se tornam humanos no final através das projeções e mashups exclusivos criados para a turnê (Como esquecer a “Music Sounds Better With You” com “Together” e acapella da “One More Time”. Esse mashup entre as produções próprias é a cereja do bolo sobre um álbum que é praticamente perfeito!
Show realizado no Lollapalooza da Califórnia, em 2007
Tron, DJ Hero e outros trabalhos
A relevância de Daft Punk vai além da música e afetou toda a indústria cultural e de entretenimento. O duo foi responsável por criar a trilha sonora do filme “Tron: O legado”, produzindo mais de 24 faixas que trazem uma estética futurista. Com este trabalho, chegaram a ganhar o Grammy como “Melhor Disco de Trilha Sonora para uma Mídia Visual”, em 2010.
Sobre o Tron, Lucas destaca: “Acho interessante a presença deles na cultura pop americana por fazer parte de um filme da Disney do que propriamente o álbum criado. Eu me lembro de ter ido no cinema APENAS para ver eles, foram 10 segundos de aparição e já posso dizer que foi a melhor aparição de um artista musical em um filme da Disney (sim, eu forcei, mas fã é fã rs). Daft Punk correu para que outros artistas pudessem andar e colocou a França e o French House no cenário global. Todas as homenagens são super merecidas pelo estrondoso impacto que o duo causou no universo da música, e não somente no cenário eletrônico”.
Depois disso, eles também foram convidados para participarem do DJ Hero. Nesta produção, Bangalter e Homem-Cristo apresentaram 11 tracks, além de cederem suas imagens como personagens para o jogo. Com estas composições, eles alcançaram novos públicos e foram extremamente elogiados.
Além disso, outro marco importante da carreira da dupla foi a admissão à Ordem de Arte e Literatura da França, onde receberam o prêmio de “Cavaleiros da Nação” pelo Ministério da Cultura do país.
Random Access Memories e fim de Daft Punk
Após quase 10 anos sem apresentar um álbum de estúdio, o duo apresentou seu quarto disco “Random Acess Memories” em maio de 2013. O lançamento fugiu um pouco das influências “rock” do trabalhos anteriores para seguir uma sonoridade mais voltada ao Pop, trazendo participações de Pharrell Williams, Nile Rodgers, o vocalista do The Strokes Julian Casablancas, Panda Bear, do Animal Collective, Paul Williams e Todd Edwards.
O álbum se tornou um grande sucesso, reafirmou a excelência do duo e ainda lhes garantiu os Grammys de “Álbum do Ano”, “Melhor Álbum de Dance/Eletrônica” e “Melhor engenharia de som de álbum”.
“O álbum Random Access Memories foi um sopro de inovação e criatividade dentro de um cenário cada vez mais igual e chato. Apesar de não ter aquele IMPACTO de outros álbuns, esse álbum colocou o Daft Punk na calçada da fama arrebatando diversos Grammys. Lembro que nesse ano o termo Daft Punk foi um dos mais buscados, pois todo mundo ficou curioso de saber quem eram aqueles robôs que estavam levando todos os prêmios. No Grammy o duo chegou no ápice da carreira deles, mas pra mim era um lugar que eles já deveriam fazer parte desde o lançamento do Discovery, foi a exaltação e homenagem merecida que eu tanto pedia”.
Desde então, a dupla participou da música “Starboy” e “I Feel It Coming” de The Weeknd, e logo em seguida, em 2016, entrou em hiato, dando uma pausa na agenda de shows. Em 2021, – infelizmente – publicaram um vídeo nas redes sociais anunciando o fim do projeto.
Para Lucas, o momento também resgata outra lembrança bastante delicada. “É sempre duro falar sobre isso, pois dois dias depois de ter perdido o meu filho em um acidente foi anunciado o fim da dupla, ali eu senti que estava recebendo um recado, de continuar em frente, e sempre vou ser grato por eles terem transformado a minha vida e fazerem parte da trilha sonora da minha jornada aqui na Terra. Pretendo lançar um set de French House para homenagear esse estilo e a dupla, é o estilo de som que mais gosto de ouvir e praticamente é o que me personifica como DJ”, finaliza.
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