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Sophia Mel, a drag que nasceu ao acaso, mas que pertence ao Tribal

Da primeira montação de brincadeira para hostess de balada, sets e pop e funk, até migrar pro tribal. Conheça a drag DJ Sophia Mel.

De dia, Dr. Bruno Avelino. De noite, Sophia Mel. Artista do Rio de Janeiro, Sophia nasceu entre uma brincadeira de amigos, começou a trilhar seu caminho na noite carioca, até que se viu conduzindo uma pista de tribal e acumulando milhares de plays no Soundcloud e por isso, a drag DJ merece destaque em nosso Pride Month.

A Sophia surgiu na minha vida meio que do nada. Eu, mesmo sendo um homem gay, por ser cis, acabava por ter receio de colocar em prática aquele estereótipo de toda ‘criança viada’ acabar se vestindo de mulher e gostar. Meus amigos sempre quiseram experimentar a arte da ‘montação’, até que em uma festa de Halloween, resolvi engolir meus próprios preconceitos e encarar a brincadeira.

A primeira montação de Bruno, prestes a criar sua personagem, foi bem amadora, realmente para experimentar, mas mal sabia ele que seria o início de um futuro com muita cor, badalação e claro, música eletrônica.

Eu e meus amigos compramos perucas daquelas bem vagabundas, umas roupas bem fuleiras, mas nos montamos, com a cara e coragem e posso dizer: foi horrível, péssimo, mas eu tomei gosto pela coisa. Já com o preconceito rasgado e jogado no lixo, percebi que eu gostava de assumir aquela figura feminina. Eu me sentia uma outra pessoa. Eu conseguia realizar aquela vontade que toda criança afeminada tem, de tornar-se uma mulher, mesmo que temporariamente. Eu realizei um sonho com a Sophia.

Sophia Mel em 2018

Assim como para muitas pessoas LGBTQIA+, “sair do armário” é algo complicado, mas Bruno precisou fazer isso duas vezes, afinal, era preciso assumir para sua família a existência da Sophia.

Eu lembro que comecei a me transformar na Sophia em outubro, escondido dos meus pais, até que no começo do ano seguinte, tornou-se algo corriqueiro. Assim como eu precisei criar um respeito pela minha drag, meus pais aprenderam a respeitar, admirar e até mesmo a acompanhar. De vez em quando até me acompanham em alguns shows.

Mas nem tudo são flores e enquanto para alguns, ter os pais apoiando o trabalho da Sophia hoje, parece ter sido algo natural, no fundo não foi bem assim. Enquanto a mãe aceitava o filho como ele era, o pai de Bruno não via a situação com os mesmos olhos.

O processo de aceitação, seja o fato da minha sexualidade quanto a existência da Sophia, por parte da minha mãe sempre foi tranquilo. Ela sempre deixou claro que queria que eu fosse feliz e fizesse o que tivesse vontade, sem precisar de ninguém, mas com meu pai a coisa não foi tão simples. Ele não digeriu muito bem e precisou de um tempo para processar a informação. Até mesmo a Sophia, quando ele percebeu que ela também era meu trabalho, aceitou melhor a personagem.

Foi preciso desmistificar para seu próprio pai, de que a Sophia Mel não era uma garota de programa, mostrando que a figura feminina assumida por Bruno era uma “recepcionista de balada” e que era um trabalho digno como qualquer outro. Foi ali que o relacionamento da música começou.

Eu comecei como hostess e presença VIP em uma balada do Rio de Janeiro, a Papa G e um dos produtores da casa, o Thiago Araújo, viu um potencial em mim, afinal, eu estava na casa pelo menos todas as quintas-feiras e ele sugeriu que eu me tornasse DJ, mas naquela época, de pop e funk. O pontapé foi ali.

É muito comum que amigos ajudem no processo de migração entre estilos musicais e com Sophia Mel não seria diferente. Uma fada madrinha, ou melhor, DJ madrinha apareceu na sua vida e colocou Bruno no caminho que ele trilharia: o tribal.

Após começar com o pop e funk, eu sentei com a Bruna Strait e ela me deu as primeiras aulas, desde como manusear uma CDJ ou usar o Rekordbox. Comecei engatinhando, colocando uma coisa mais eletro pop nos meus sets, uma vibe meio Summer Eletrohits, sempre puxando para a música eletrônica, até que a mudança foi natural e aceitei meu destino de ser uma DJ de tribal.

Ser frequentador da noite carioca também ajudou na criação do gosto musical de Bruno. Cliente assíduo da The Week, foi entre uma ida e outra no club que ele percebeu que o gosto havia mudado, de acordo com a pista que ele ficava na casa.

A The Week do Rio sempre foi um lugar muito badalado. Todos os meus amigos frequentavam e eu acabava indo junto, mas eu sempre ficava na pista Wallpaper, dedicada ao pop e funk. Eis que entre uma passada e outra pela pista principal, a batida começou a me chamar atenção e fui ficando na pista de tribal cada vez mais. Quando percebi, era ali que a gente ficava o tempo todo.

E o tribal entrou com tudo na vida da Sophia. Mesmo com pouco tempo de carreira oficial como artista do genero, ele já coleciona uma residência e números expressivos em seu Soundcloud, feito que muitos DJs demoram anos para conseguir.

Depois de presenciar uma apresentação inesquecível da Anne Louise na The Week e de perceber que eu não queria fazer parte daquela ‘máfia’ da cena pop do Rio, eu fiz meu primeiro set, o ‘Forró das Angels‘ e logo de cara foi um tremendo sucesso. Com quase 20 mil plays no Soundcloud, consegui em menos de um ano, ganhar um certo destaque na cena tribal carioca. As pessoas querem me ouvir e apreciar meu trabalho.

Como todo o restante do mundo, Sophia se viu no meio da pandemia e a carreira que já era curta, precisou ficar em standby até que os eventos retornem com força total. O recomeço promete ser grandioso, assim como sua ambição.

Após migrar do pop para o tribal, eu quero focar bastante na minha drag, quero me especializar ainda mais no tribal. Assim como tantos outros artistas, quero poder levar meu nome por todos os cantos do país e elevar ainda mais a arte drag. O céu é o limite!

https://soundcloud.com/sophia-mel-147109134/forro-das-angels-liveset-tribal

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Alphenkka: do rock ao forest, até descobrir sua real identidade musical

Do rock ao electro; do electro ao psytrance; do psytrance ao forest. Conheça a trajetória de Alphenkka, novo personagem do Pride Month.

Estamos cansados de dizer que o psytrance é uma das cenas mais libertárias que existem na música eletrônica e talvez seja por isso, que é muito comum encontrar pessoas que sentem-se a vontade em assumir que fazem parte da comunidade LGBTQIA+, como é o caso de Alphenkka, projeto de Kauê Garcilasso, que começa nosso papo relembrando suas primeiras memórias musicais.

Quando paro pra pensar na minha primeira lembrança musical, volto lá pra minha infância. Meu pai amava escutar música brasileira e uma das bandas preferidas dele era o Capital Inicial. Ele gostava muito, de ouvir sempre e por muito tempo, eu ouvi o álbum acústico da banda inteiro. Eu sabia todas as letras de todas as músicas.

Nem só de rock vive o homem e Alphenkka também lembra, com muito carinho, de outro contato com a música, ainda na infância, mas dessa vez ligado ao seu avô e às suas raízes sulistas, já que tanto o pai quando o avô, nasceram no Rio Grande do Sul

Outra lembrança muito forte que tenho é do meu avô colocando discos de vinil pra tocar, todos de música tradicional gaúcha. Não lembro bem qual gênero era, mas era muito característico da região e sempre que eu estava na casa deles, a vitrola não parava de tocar e o regionalismo se fazia presente em forma musical.

Kaue na Terra Viva

Por incrível que pareça, tanto o rock do Capital Inicial, quanto a música tradicional gaúcha, não foram o estopim para que Alphenkka tivesse aquela vontade de se envolver profissionalmente com o ramo musical. Foi preciso conhecer um amigo da sua irmã, na época de colégio, para ter uma nova visão sobre o mundo que o aguardava.

Eu não tive muito aquela fase de começar num estilo e depois migrar para a música eletrônica. Desde os meus 14 anos, tive contato com o electro através de um amigo de escola da minha irmã, que me apresentou o duo Electrixx, muito famoso naquela época. Nós saímos da escola e íamos pra minha casa ouvir aquele som ‘foda’. Foi com esse amigo da minha irmã que acabei conhecendo alguns outros artistas, comecei a descobrir as vertentes da música eletrônica e tive vontade de querer ir além.

Mais uma vez o destino falha e Alphenkka, mesmo começando no electro e vertentes mais comerciais, não chegou a frequentar eventos do tipo, até por conta da idade. Foi preciso aguardar alguns anos para ter seu primeiro contato com as festas e então, mudar completamente seu foco musical.

Foi no ano de 2013 que fui para meu primeiro rolê, nada a ver com aquela música eletrônica que eu havia conhecido. Fui na Trance in Moon, sozinho, já que meus amigos estavam completamente sem grana. Eu sabia que não poderia deixar aquela oportunidade passar e mesmo lutando contra a minha timidez, ‘meti o louco’ e fui com a cara e coragem.

Kaue na Gaia Connection

Encarando a sua primeira festa na vida, Alphenkka estava sozinho, porém rodeado de pessoas e foi ali, na excursão mesmo, a caminho da festa, que ele começou a se enturmar e criar novos laços. Era o início da sua história com o psytrance.

Durante o trajeto para a festa, acabei me enturmando, até mesmo pela distância. A Trance in Moon aconteceu cerca de 350km de São Paulo, então tive bastante tempo para conhecer pessoas. Mesmo longe dos meus amigos, eu voltei completamente extasiado daquela experiência, que foi muito além do que havia imaginado. Foi ali que resolvi me jogar cada vez mais na cena e viver intensamente e verdadeiramente o P.L.U.R.

Mais um plotwist acontece e eis que Alphenkka se apaixona pelas vertente noturna do psytrance. Foi nos BPMs mais rápidos e batidas mais obscuras que ele encontrou seu verdadeiro eu e ali, fez morada.

Ainda na Trance in Moon eu conheci o som do DJ Goch, uma coisa completamente diferente daquilo que eu já tinha ouvido até ali. Um som mais pesado, denso, conhecido por Forest e que ficou na minha cabeça. Em 2014, resolvi me aventurar na festa Sarasvati, focada só em Forest, no som que o Goch me apresentou e foi onde escolhi a vertente que me acompanharia profissionalmente como DJ.

Da infância com rock, da iniciação eletrônica com electro, da primeira festa com psytrance até esbarrar nas vertentes noturnas como o Forest, foi em 2016 que Alphenkka começou a dar seus primeiros passos profissionais na música eletrônica, mas nem tudo foi como ele esperava.

Minha primeira experiência com um professor de discotecagem não foi nada bacana. Meu tutor não gostava de psytrance e consequentemente não me deixava treinar. Eu não podia praticar com o gênero que eu havia escolhido para tocar, até que conheci um casal, a Amanda e o Vinicius, pedindo carona para ir pra um festival e que também são DJs. Foi com esse casal que comecei a ter mais contato com o psytrance. Recebi diversas dicas deles, trocamos bastante conhecimento, até que fiz minha estreia na festa Psyconnect, em São Paulo.

Alphenkka na Psyconnect

Após dar o start oficial na sua carreira, Kauê resolve tentar mais uma vez um curso de DJ, mas dessa vez em uma escola reconhecida na cidade de São Paulo, a e-lab, que não o podou em seu sonho e o deixou viajar nas ondas do psytrance, porém, a pandemia chegou.

Em 2019 eu decidi que queria investir na minha carreira de DJ, pedi demissão do meu trabalho, peguei a grana que eu havia guardado e comecei o novo curso na e-lab. As aulas estavam indo super bem, mas a pandemia começou, em 2020, e o curso precisou ser interrompido. Com o avançar dos meses e as flexibilizações, consegui terminar as aulas, com turmas totalmente reduzidas, mas o suficiente para que eu conseguisse adquirir o conhecimento necessário.

O novo curso, na escola certa, abriu ainda mais a cabeça e os caminhos de Alphenkka, que mesmo em uma época tão delicada para todos nós, não desistiu e se aventurou nos novos formatos de apresentação e as tão faladas lives.

Acho que como muitos artistas, precisei me adaptar, ainda mais para quem está começando na carreira musical. Fiz algumas lives, toquei para amigos bem próximos e restritos, em algum sítio da família, mas não deixei o sonho acabar. Estou no começo de tudo e quero crescer muito mais.

Galera reunida na Shiva Trance

E como um artista que faz parte da comunidade LGBTQIA+, Kauê, mesmo sem nunca ter sofrido preconceito na cena, sabe que ela ainda precisa de orientação e de que mais amor.

Eu posso dizer que sou privilegiado por nunca ter vivido alguma experiência desagradável na cena, mas eu não me sinto representado. As pessoas podem se vestir como querem, ser quem quiserem, mas ainda há uma resistência muito grande, principalmente quando falamos de artistas LGBTQIA+ reconhecidamente famosos. Não existem grandes nomes que fazem parte da nossa comunidade. A Luuli, uma DJ trans, é uma das poucas que faz parte do nosso movimento. Acredito que mesmo a cena sendo totalmente libertária, ainda há um medo ou certa resistência, por parte da pessoa que quer se assumir ou do público, em aceitar uma figura importante como LGBTQIA+

Mas não adianta falar e não fazer, por isso Alphenkka é um daqueles que não fica quieto diante de algumas atitudes e como frequentador e artista, posicionar-se é a melhor solução para combater esse preconceito ainda enraizado.

É muito importante nunca ter medo de mostrar quem eu realmente sou. De ser 100% eu, sem medo de julgamento das pessoas. Eu busco sempre me posicionar, repudiar e até mesmo boicotar festas e pessoas que ainda possuem atitudes homofóbicas ou que possam ferir minha comunidade. Não dar palco para atitudes escrotas. Busco sempre também dar visibilidade para artistas LGBTQIA+ e gosto de incentivar essa visibilidade. É muito importante que sejamos unidos.

O futuro ainda é muito incerto, mas como esperança é a última que morre e Alphenkka também planeja seus próximos passos.

Uma das coisas que mais quero, quando tudo isso acabar, é poder voltar a frequentar as festas, os eventos. Sinto muita falta. Quero também continuar estudando, investindo sempre na minha carreira, começar a produzir. Como muitos artistas iniciantes, também almejo meu lugar ao sol. Vou fazer esse projeto virar!

Escute Alphenkka no Soundcloud!

Alphenkka – Ëxx.u set by Alphenkka

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Tebetê #11: Honey Dijon no Boiler Room x Sugar Mountain 2018

Um dos sets mais icônicos de house music do Youtube, Honey Dijon no festival Sugar Mountain em 2018, pelo Boiler Room, é destaque na Tebetê.

Foto: Boiler Room

Muito antes das lives tornarem-se moda, tudo isso por conta da pandemia, a cena da música eletrônica mundial já era grande amiga das transmissões virtuais. Festivais e canais sempre fizeram essa conexão do público com seus eventos através da internet, mas o Boiler Room, um dos especialistas no assunto, sempre entregou grandes performances e hoje destacamos uma lendária e digna da coluna Tebetê.

O ano era 2018. O festival era o Sugar Mountain em Melboune, Austrália. A DJ era uma das maiores deusas da house music atual: Honey Dijon. Com transmissão especial do Boiler Room, a apresentação transformou-se na mais assistida da artista no Youtube e o 10º vídeo mais popular no canal do coletivo. Com mais de 7.5 milhões de visualizações, o set é de longe, um verdadeiro viral.

Repleto de batidas vibrantes que nos convidam para dançar, o set combina saxofone e outras texturas instrumentais com vocais emprestados de hip-hop e clássicos da house music, com direito ao marcante discurso ‘I Have a Dream‘ de Martin Luther King. A performance de Miss Honey, criando mashups ao vivo, beira a perfeição e sua alegria é contagiante. Uma dose de estímulo para os dias mais tristes.

Considerada uma das artistas LGBTQIA+ mais influentes da cena eletrônica mundial atual, Honey Dijon é um ícone de luta e resistência. Ver uma mulher trans, preta, assumindo pickups do mundo todo e com lugar destaque por onde quer que passe, é motivo de orgulho e merece ser reverenciado em nosso Pride Month. Uma verdadeira diva e que tem todo nosso carinho e admiração.

Curta abaixo o set inigualável de Honey Dijon no Boiler Room Sugar Moutain 2018, também disponível no Soundcloud e relembre esse momento histórico em nossa coluna Tebetê! O set também está

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Ga Crux, a liberdade e a transformação potencializada pelo psytrance

De uma infância com David Guetta a uma carreia focada no Full On, Ga Crux é o primeiro convidado do Pride Month 2021 do Beat for Beat.

Para muitos, o primeiro contato com a música eletrônica sempre aconteceu na rua, entre amigos ou até mesmo numa baladinha aleatória, mas para Gabriel Serracini, nome por trás do projeto Ga Crux, primeiro convidado do Pride Month 2021, a dance music veio de família, logo cedo, gênero esse que o encantaria profissionalmente e o aceitaria como ele realmente é.

A música sempre esteve presente na minha vida. Nasci numa família de músicos, então sempre estive rodeado de muita melodia, cantorias e notas musicais. Com o passar dos anos, acabei de aperfeiçoando no violão e baixo, até que fui apresentado para a música eletrônica ainda pequeno, nos anos 90, pelo meu irmão e meu primo. Mal sabia que seria o início de um longo relacionamento musical.

Assim como para muitos artistas, as influências sempre contaram muito no momento de decidir seu futuro e com Ga Crux não seria diferente. Aqueles artistas que ele conheceu, logo que descobriu a dance music, se fizeram muito importantes em seu desenvolvimento profissional e pessoal.

Comecei ouvindo aquilo que era bem popular no começo dos anos 2000. The Prodigy, Benny Benassi, David Guetta, Alex Gaudino, Lorena Simpson… mesmo não ouvindo com tanta frequência hoje, foram artistas que me fizeram ir atrás, pesquisar a música eletrônica, me aprofundar cada vez mais, até que me encontrei!

Considerada por muitos como uma das cenas mais inclusivas da música eletrônica, foi no Psytrance que Gabriel encontrou um lugar para chamar de seu. Mais uma vez por indicação de amigos próximos, ele visitou pela primeira vez a festa Gaia Connection e foi paixão à primeira vista.

Eu nunca tinha escutado as vertentes psicodélicas do trance. Comecei ouvindo Progressive Trance, até que me deparei com o Full On e me encantei. A velocidade, os elementos, a vibe transmitida, tudo me fez decidir que seria aquilo que eu gostaria de tocar e produzir. Conhecer o psytrance foi uma das melhores coisas que já aconteceram na minha vida.

E é por abraçar a todos, que a cena alternativa se mostrou tão receptiva para Ga Crux, assim como para tantas outras pessoas. Mesmo frequentando outras cenas, voltadas para a comunidade LGBTQIA+, é no psytrance que ele se sente mais à vontade.

O Tribal House, tão característico entre a minha comunidade, não me acolhe tanto quanto as festas que frequento. Seja musicalmente falando ou até mesmo pelo ambiente, me sinto muito bem quando estou entre a natureza, ao invés de clubes. Não me refiro ao público, mas a sensação de liberdade, da conexão com o verde, da comunhão com o psytrance.

Claro que não podemos ser hipócritas e dizer que é tudo maravilhoso. o preconceito, mesmo que pequeno, existirá em alguns lugares. Nem todas as pessoas estão preparadas para conviver com as diferenças, mas Gabriel também usa de sua voz como artista para transmitir mensagem de aceitação:

A cena é, em sua grande maioria, amável com todos. Você acaba criando laços que vão durar uma vida toda, mas nem tudo são flores. É preciso se posicionar sempre, onde quer que você esteja e acima de tudo, apoiar o seu igual. Usar das redes sociais para levar conhecimento ao próximo, buscar formas de conscientizar e mostrar que as diversidades existem e estão ai. Precisamos sempre cortar o mal pela raiz.

Trilhando o tão sonhado caminho do sucesso, Ga Crux está investindo na sua carreira de produção musical e apostando em sets que estão disponíveis no Soundcloud. fazendo uma rápida reflexão, ele diz a si mesmo:

Parabéns! Você está indo pelo caminho certo. Continue assim.

Odin by Ga Crux

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Junho, um mês de orgulho e resistência com as cores da nossa bandeira

O mês de junho celebra o orgulho LGBTQIA+ e no B4B, as comemorações que antes duravam uma semana, agora serão ainda maiores.

O ano era 1969. Na cidade de Nova York, nos Estados Unidos, havia um único bar dedicado à comunidade LGBTQIA+ daquela região, o Stonewall Inn. Sem licença para comercializar bebidas e saídas de emergência, além de não seguir as exigências sanitárias da época, ali era o único lugar abertamente de NY e que tinha como seu principal atrativo a dança – nele aos frequentadores era permitido dançar.

Mesmo já funcionando anos depois da descriminalização da homossexualidade nos EUA, a comunidade ainda era muito perseguida e os frequentadores do Stonewall Inn também. Foi no dia 28 de junho, após uma batida policial, que a comunidade decidiu não se calar mais e causou o episódio que até hoje, é conhecido como um dos marcos mais importantes da comunidade LGBTQIA+ dos últimos anos: a Revolta de Stonewall. (Fonte: Hypeness)

Mas o que isso tem a ver com o Beat for Beat e com a música eletrônica? TUDO!

Revolta de Stonewall 1969

Após 1969, o mês de junho tornou-se o Mês do Orgulho LGBTQIA+. É no mês de junho que as maiores Paradas do mundo acontecem (São Paulo, Nova York, Paris, Barcelona, Londres, Roma, Tel Aviv, Sidney, Toronto, Las Vegas, entre outras)  e também, quando é celebrado o Dia Internacional do Orgulho LGBTQIA+, 28 de junho, em homenagem ao ato tão importante de Stonewall. No B4B não seria diferente.

Desde sua criação, em 2015, este portal celebra o orgulho, as cores da nossa bandeira, através da Pride Week. Durante alguns dias seguidos, dedicávamos parte da nossa programação para abordar temas importantes, sempre dialogando com artistas LGBTQIA+ da cena eletrônica nacional, mas este ano será diferente. A partir de 2021, o Beat for Beat realizará o Pride Month!

Durante todo o mês de junho, começando agora, traremos entrevistas com artistas nacionais e internacionais, todos pertencentes a comunidade. Teremos playlists especiais, um Beat Sessions exclusivo e colorido, tudo isso para enaltecer ainda mais os artistas que nunca se esconderam da sociedade. Que possuem orgulho de levantarem a nossa bandeira. Aos que não sabem, a redação original do Beat for Beat é composta 100% por homens gays!

Não queremos impor uma “ditadura gay”. O Pride Month quer celebrar o orgulho que sentimos e continuar oferecendo um conteúdo de qualidade, dessa vez, sob o arco-íris que nos rege. Queremos, acima de tudo, resgatar as raízes da música eletrônica, que nasceu no meio da comunidade LGBTQIA+ preta e além disso, mostrar que o respeito é bom e a gente gosta!

Feliz Mês do Orgulho!

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PITTA, o psytrance e a luta por liberdade em amar e se expressar

Pansexual, DJ e inserido na cena do psytrance, PITTA é um exemplo de que podemos ocupar todos os lugares, seja ele qual for. Acompanhe nossa entrevista.

PITTA

Um artista multifacetado. Jorge Pitta, ou só PITTA, começou frequentando a cena noturna LGBTQIA+, até que gradativamente, foi ocupando seu espaço de direito na cena do psytrance. Pansexual, ele representa o + da sigla e hoje, conversa com a gente num papo bem cabeça.

Confira nossa entrevista com PITTA, convidado da nossa #PrideWeek 2020

Beat for Beat – Pitta, muito obrigado por topar conversar com a gente nessa semana tão especial. Pra começar, nos diga: como é ser uma pessoa LGTQIA+ dentro da cena trance? Você acha que ainda há resistência para que o público aceite alguém de nossa comunidade?

PITTA – Eu quem agradeço a oportunidade falar com vocês. É muito importante ter esse espaço pra gente. Muito preciso, na verdade.

Bom, a cena trance tem algumas subdivisões, ramificações de público, mas vou falar de uma maneira mais geral. Existe dentro da cena trance, um espaço pra pessoas LGBTQIA+. Existem projetos inclusivos muito importantes pra nós da comunidade, como o LGBTrance e o projeto Trance de Rua, mas este espaço é algo que precisa de mais visibilidade, mais atenção. Infelizmente, o ramo artístico rico que a cena psytrance possui, ainda é composto predominantemente por homens cisgêneros heterossexuais brancos. Consequentemente isso pesa e tendencia espaços disponibilizados aos LGBTQIA+ e mulheres, tanto aos artistas quanto ao próprio público.

Particularmente dizendo, ainda sinto resistência sim, tanto dos organizadores de eventos quanto do próprio público, em lidar com a presença de pessoas que fogem do padrão heteronormativo que é imposto a nós, não só nas festas, mas no nosso dia a dia.

PITTA no Luar Music Bar

E você já teve dificuldades em marcar uma gig, por ser uma pessoa LGTBQIA+? Sofreu preconceito, injúrias ou até mesmo agressões, enquanto tocava ou frequentava uma festa?

PITTA – Eu não me recordo de ter sofrido injúrias e agressões. Até porque as pessoas que frequentam e organizam a cena trance, costumam criar pra si uma postura inclusiva e “deboísta”, mas infelizmente as coisas não se dão dessa forma. A gente sabe que assim como no nosso cotidiano, o preconceito muitas vezes está presente de maneira velada. As pessoas têm atitudes preconceituosas, que às vezes nem se dão conta, ou fingem não se dar conta. Olhares, dizeres feitos, mas não diretamente a nós, são exemplos de coisas que eu já presenciei e vivi algumas vezes.

Mas na questão artística, é nítido como o preconceito aparece. Ele aparece quando nós olhamos os line ups das festas e nele predomina, ou é inteiramente composto por homens cis brancos heterossexuais, ou quando intervenções artísticas promovidas pela festa, se dão da mesma forma. Até mesmo na pista, quando pessoas que fogem dos padrões que a sociedade nos impõe, ocupam seus espaços somente pra curtirem seu momento, e se deparam com vários olhares de canto de olho, de reprovação, de pessoas apontando (como já vi acontecer). São atitudes disfarçadas, que as pessoas pensam que ninguém vai perceber, que acabam instaurando o medo e insegurança de pessoas como e, de  ocuparem seus lugares na cena.

Você se sente seguro? Confortável, frequentando um ambiente que não te aceita totalmente?

PITTA – Acho que desconfortável é a palavra. Não me sinto inseguro, porque acho que é meu papel resistir e ocupar esse espaço, para que outras pessoas como eu possam também estar ali. Pra que elas futuramente se sintam confiáveis de poder ocupar esse lugar comigo.

PITTA

Falando agora da sua carreira como DJ. Como foi que você saiu da pista e passou a ocupar um lugar no lineup das festas? Você lembra da sua primeira gig?

PITTA – É engraçado como a minha carreira como DJ andou de mãos dadas com minha aceitação e sexualidade. Meu interesse sobre a música eletrônica e mixagem foi despertado justamente quando comecei a frequentar as casas noturnas LGTBQIA+, então fui me aprofundar sobre o assunto. Aprendi as técnicas básicas de mixagem num curso na escola para djs da DJ Fabíola Sellan, que hoje é uma querida amiga.

Mais uma vez na noite LGBT, organizadores de festas que são grandes amigos meus como o DJ Edy Monster, me deram oportunidade de me lançar profissionalmente nesse ramo e me ajudaram bastante no meu aprofundamento como DJ. Com bastante treino, dedicação e ajuda de toda essa galera, incluindo o Viktor, editor do B4B, que me deu o empurrãozinho pra começar lá no início, na minha primeira gig, no Luar Music Bar, em São Paulo, consegui seguir a diante com esse trabalho artístico que é tão bonito e importante. Sou muito grato a toda essa história que construímos até aqui.

PITTA

E o trance? Como ele apareceu na sua vida? Como foi o processo da migração sonora para o que você toca hoje?

PITTA – Quando eu já tocava, comecei a querer ampliar meu repertório. Então comecei a descobrir outras vertentes diferentes das que eu já estava habituado a ouvir. Foi aí que conheci o psytrance. Foi amor a primeira ouvida (risos). Daí então comecei a frequentar festas com esse segmento, para que eu além de poder criar maior consciência sobre o som que eu queria então tocar, poder fazer o famoso network, pra poder começar alcançar novas oportunidades de apresentar meu trabalho e crescer com ele.

Quanto ao processo de migração sonora, a gente sempre aperfeiçoa né? Amplia o repertório, aprende mais um pouco. Quando ingressei na cena trance, eu mesclava entre o progressive e o fullon. Mas depois de um tempo resolvi focar apenas no fullon groove, que era mais a minha praia. Como disse antes, a cena trance se divide em ramificações, então, trabalhando no meio, desenvolvi gosto por outras vertentes e uma delas foi o Darkpsy. Foi aí que dá mesma forma que antes, trabalhei pra ampliar e aperfeiçoar meu repertório para poder atuar ali também.

Atualmente tenho 2 projetos: PITTA (fullon) e Cabron (Darkpsy). Eu resolvi trabalhar com mais de um projeto, porque acho que quando a gente se define muito, a gente acaba se limitando e fazendo as coisas de maneira organizada, acho que conseguimos explorar sempre mais um pouco de nós, artisticamente falando. Tocar uma vertente não pode ser impedimento da gente aprender mais um pouco sobre outra, não é mesmo?

PITTA e Edy Monster

E mesmo que todo o cenário atual seja incerto, quais são os planos pra sua carreira musical? Tem usado este momento de isolamento a favor da sua evolução como artista?

PITTA – O cenário atual deixa tudo meio incerto mesmo. Infelizmente estamos todos passando por tudo isso e é muito triste. Esse momento aconteceu sem a gente esperar, de maneira rápida. Me fez pensar muito sobre a minha vida, sobre tudo que eu queria pra mim, principalmente sobre minhas questões profissionais. Eu trabalho artisticamente não só como DJ, sou ator também. Toda a classe artística foi golpeada por essa situação. A partir daqui, a gente vai ter que se reinventar, assim como o mundo inteiro.

Eu utilizei esse momento de internalização para me aperfeiçoar profissionalmente sim. Pra estudar, pra ampliar horizontes, criar novas técnicas, projetos e planos, pra quando o novo normal se instalar, esses investimentos me prepararem pra integrar um novo mercado de trabalho, que a gente ainda desconhece. Mas que tenho esperança que depois desse tempo de reflexão, seja mais justo, igualitário e inclusivo a todos os profissionais do ramo artístico.

Pra finalizar, que mensagem você quer transmitir para o mundo, através da sua música? Que atitudes você deseja que o mundo adote, para que as diferenças sejam deixadas de lado? Obrigado!

PITTA – A música tocando numa pista não é só uma música. O dever da arte é comunicar. Acima de toda a técnica do DJ, existe alguém que quer, além de proporcionar momentos de alegria, passar uma mensagem. Então, entenda a mensagem, e principalmente: valorize isso.

Por trás de todo meu trabalho, exite alguém que é diferente, e que estando ali, quer mostrar que o diferente também é bom, e também merece ocupar seu espaço. A diferença não está aí pra ser exterminada, mas pra ser além de admirada, respeitada. Não tem problema ser diferente. O errado é tentar ser igual.

VALORIZE A ARTE, em especial, os artistas LGTQIA+ ❤

REBOOT. by DJ Pitta

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Divas por uma Diva: Ella De Vuono e o orgulho em forma de música

Mulher cis, lésbica, DJ, produtora e um verdadeiro ícone na comunidade LGBTQIA+ da música eletrônica. Veja nossa entrevista com Ella De Vuono.

Foto: RECREIOclubber

Uma grande amiga do Beat for Beat, Ella De Vuono dispensa imitações. Uma das grandes artistas LGBTQIA+ do Brasil, Ella contou pra gente um pouco sobre sua luta em nossa comunidade, falou sobre preconceito e aceitação, além de criar uma playlist super especial, que celebra a diversidade.

Confira agora nosso papo com Ella De Vuono, convidada da #PrideWeek 2020.

Beat for Beat – Oi Ella, muito obrigado por conversar com a gente nessa semana tão especial. Pra começar, conta pra gente: você já sofreu algum preconceito ou dificuldade para agendar gigs, por conta da sua orientação sexual? 

Ella De Vuono – Oie, é sempre um prazer falar com vocês! Obrigada vocês por lembrarem de mim e darem visibilidade ao meu trabalho.

Olha, felizmente nunca sofri preconceito em gigs no meio da música eletrônica (clubs e festas), mas teve um job em especial, que era para tocar em um evento corporativo e o cachê era super bom, que fiquei sabendo que não me escolheram por ser lésbica. Segundo o responsável, ele tinha medo que eu desse em cima das mulheres no local. Acredito que esse julgamento dele, deve partir de suas próprias atitudes.

Ser uma mulher cis, lésbica, traz em sua essência a hiper sexualização do seu corpo e até das suas relações, visto que muitos homens ainda possuem fetiche em casais. Você já sofreu assédio ou passou por alguma situação desconfortável, por conta disso?

Ella – Essa é a minha vida. Posso contar no dedo quantas vezes sofri preconceito por ser lésbica, mas as vezes que fui assediada por conta disso, são incontáveis. Por isso que eu e minha namorada não “baixamos a guarda” para nenhum homem que se aproxime, não perdoamos nenhuma “brincadeirinha”, não deixamos passar nenhuma insinuação. A gente já corta no ato, porque simplesmente não toleramos.

Na grande maioria das vezes, um “elogio gentil” (entre muitas aspas) acabou sendo um assédio disfarçado e os homens queriam mesmo tentar alguma coisa. É complicado, pois se não damos moral, somos metidas e arrogantes. Se damos, é que estamos dando mole e queremos ir pra cama com o fulano. Então simplesmente não tem papo. Fez brincadeirinha, eu corto.

Ella De Vuono na Levels

Podemos dizer que assim como no futebol, a música eletrônica transformou-se num ambiente em que se assumir é algo raro e que muitos artistas têm medo do que pode acontecer após “saírem do armário”? Você acha que ainda é necessário se esconder tanto, em pleno 2020 e a que você atribui esse medo todo de dizer quem você realmente é?

Ella – Primeiramente, acho que não existe uma comparação plausível entre música eletrônica e futebol. A música eletrônica surgiu dos guetos, das minorias, dos negros, dos homossexuais, dos excluídos. Liberdade é a palavra de ordem em meio a música eletrônica. Se tem um lugar no mundo que eu nunca nem pensei duas vezes para ser quem eu sou, é em um club, em uma rave.

Lembro no começo, quando me entendi como lésbica (2005), eram nas raves que a gente podia se beijar em público, que a gente podia ser um casal sem medo, mas ainda assim rolavam assédios. Acho que só fui parar de ser assediada em festas como a Carlos Capslock, Gop Tun, Mamba Negra, etc.

Eu acho que nunca é necessário se esconder, nem em pleno 2020 e nem nunca. Acredito que o medo vem de diferentes lugares dependendo da história de vida de cada um, mas ao meu ver, se somos aceitos pela nossa família desde sempre, então esse medo é muito mais fácil de enfrentar em qualquer lugar.

Ella De Vuono na Carlos Capslock

Você é uma verdadeira militante da causa LGBTQIA+. Como DJ, você busca tocar artistas da nossa comunidade, dentro dos seus sets? Além de atos, como você passa a mensagem de respeito durante suas apresentações?

Ella – Sempre que eu posso, toco músicas de artistas que se enquadram nas “minorias”, mas isso não é um fator fundamental para mim. Pois na questão musical, eu levo em consideração a música e apenas ela, gênero, orientação sexual, etnia ou raça, não é determinante.

Minha mensagem é passada de diversas maneiras, visualmente na minha performance, roupa e maquiagem. E na minha música, tanto nas minhas produções que são carregadas de mensagens que trazem diversas questões sociais, quanto em acapellas aplicadas em cima de outras músicas, seja trecho de discursos, ou de entrevistas ou até mesmo de alguma outra música.

Foto: RECREIOclubber

Na playlist que você criou pra gente, você colocou grandes artistas LGBTQIA+, além é claro, das Divas supremas, como Madonna, Cher, Diana Ross. Qual o tamanho da influência dessas artistas no seu trabalho e como você tenta traduzir isso no techno?

Ella – Amo! A influência dessas mulheres é gigantesca na minha carreira, meu amor pela Madonna é super escancarado, todo mundo que me acompanha sabe. Para mim, essas mulheres e muitas outras como Nina Simone, Grace Jones, Rita Lee e Maria Bethânia por exemplo, são uma inspiração de que não se separa a artista da pessoa. Que ser uma figura como elas, está sim, em suas atitudes e valores. Que nossa arte tem que ir de encontro com nossos valores e posicionamento.

Eu sempre jogo uma acapella da Madonna, da Lady Gaga, Cher e até da Leandra Leal em cima de algum techno ou house. Além disso, tenho músicas autorais com trechos de entrevistas ou discursos delas também.

Podemos dizer que hoje, o techno é a cena mais inclusiva da música eletrônica. São cada vez mais comuns, festas em que os corpos são livres e podemos ser quem realmente somos. Qual a sensação de fazer parte de um coletivo que foi um dos grandes responsáveis por essa revolução de liberdade de expressão?

Ella – A sensação é de orgulho e pertencimento. Eu amo a Carlos Capslock e já amava sendo apenas frequentadora, depois que entrei para o coletivo como residente, eu pude ver que essa mensagem é realmente genuína, que eles realmente se importam com a cena, com os frequentadores e com todo o staff. Acho que um exemplo disso que estou falando, é a Vakinha que a Capslock está fazendo para conseguir alguma renda para todo o staff que ficou sem trabalho com o cancelamento de todas as festas deste ano.

Como eu já citei acima, nunca esqueço da sensação de alívio que tive de passar uma festa inteira curtindo numa boa sem ter sido assediada. E quem educa parte do público que não recebeu tal educação de berço, é a festa.

Pra finalizar, o que a Rafaella diz todos os dias, para a Ella De Vuono? O que move a sua luta diária, para mostrar para o mundo, que todos somos iguais? Obrigado!

Ella – Acho que a Rafa fala assim: Ella, beesha cê tá arrasando! Continue assim porque eu dependo da senhora pra viver!

O que me move é exatamente a inconformidade de ficar calada. Como me calar diante de tanto ódio? De tanto preconceito? Me manter neutra é ser conivente com tudo de ruim, é medíocre, é raso. Parafraseando Bob Marley: As pessoas pessoas que tentam tornar esse mundo pior não tiram um dia de folga. Como eu vou tirar?

Obrigada você pelo espaço, espero que gostem da playlist.

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Etcetera, Pedro Gariani e a força da diversidade na WareHOUSE

Ela é uma drag não-binária e ele, um gay cis. Etcetera e Pedro Gariani formam a dupla de DJs residentes da WareHOUSE e hoje, conversam com a gente.

Pedro Gariani e Etcetera | Foto: FALZER – @philipfalzer

Resgatar a história da house music não é tarefa fácil, mas é isso que o coletivo WareHOUSE vem fazendo em cada uma de suas edições. Seus DJs residentes, Etcetera e Pedro Gariani, uma drag queen e um gay cis, são o retrato perfeito da diversidade e ambos têm muito orgulho disso.

Convidados da nossa #PrideWeek 2020, a dupla conversou com a gente, sobre as dificuldades na cena eletrônica, preconceito, aceitação e claro, house music. Confira nossa entrevista com Etcetera e Pedro Gariani, da WareHOUSE.

Beat for Beat – Oi meninxs, tudo bem? Obrigado por conversarem com a gente nessa semana tão especial. Pra começar, contem pra gente: como é serem artistas LGBTQIA+, dentro da cena eletrônica nacional? Já sofreram preconceito e/ou entraram dificuldades na hora de fechar uma gig?

Etcetera – Obrigada vocês pelo convite delicioso pra esse papo. Eu comecei tocando profissionalmente há 7 anos, quando ainda tocava Indie, mas logo migrei pra cena eletrônica, onde estou há 5 anos. Eu sempre trabalhei com festas voltadas ao publico LGBTQIA+, mas foi apenas nos últimos 2 anos que me libertei dos meus bloqueios e dei vida a Etcetera. A drag surgiu após eu ter conseguido um certo reconhecimento

Etcetera me abriu diversas novas portas. Hoje vivemos tempos muito bons para a arte drag. De uns anos para cá, deixamos de ser marginalizadas e finalmente somos vistas como as estrelas que realmente somos. Não que ainda não tenha muito o que evoluir em questão de respeito, mas é algo que vem caminhando a acontecer. É engraçado sentir e perceber a reação de surpresa das pessoas ao presenciarem uma drag tocando um house de respeito (risos).

Infelizmente já senti sim, alguma dificuldade em ter a atenção de algumas festas grandes e acredito que todo artista LGBTQIA+ já tenha passado por algo. Também já tive situações desagradáveis com público, diversas vezes, antes e depois do drag. Ofensas enquanto estou tocando, papos constrangedores com algum contratante mais “ignorante” ou até mesmo no meio da pista, mas eu sempre lidei muito bem com isso.

Pedro Gariani – Oi pessoal, obrigado pelo convite e por colocar este assunto, que é tão importante, em pauta. Eu amo ser um ser um artista LGBTQIA+ e tenho muito orgulho disso. Espero conseguir aumentar cada vez mais meu alcance para poder levar uma mensagem de amor e respeito às pessoas.

O mercado em geral é muito pautado por relacionamento e networking. Eu toco há aproximadamente 3 anos e foi um processo natural ir tocando nas festas e clubs de pessoas que estão próximas ao meu círculo de relacionamentos e estes eventos, em sua maioria, foram voltadas ao público LGBTQIA+, então nunca tive problemas relacionados a preconceito até então.

Mas ao mesmo tempo, à medida que eu olho para os meus objetivos futuros, sempre me questiono se produtores e contratantes de festas fora da cena LGBTQIA+ vão olhar para mim com os mesmos olhos que olham para outros artistas que não falam abertamente sobre diversidade.

Etcetera

Vocês fazem parte hoje, de uma crew que luta pela diversidade. Etcetera, como surgiu o convite pra fazer parte da WareHOUSE? E Pedro, como foi criar esse projeto? Qual a sensação em fazer parte de uma crew que valoriza a pessoa, independente do que ela é?

Etcetera– A WareHOUSE chegou na minha vida de surpresa e ganhou espaço cativo nas prioridades desde cedo. Pouco antes da segunda edição, minha amiga drag, Jade Odara, hostess da festa, indicou meu trabalho para o Pedro. Fui conhecer a festa, os organizadores e acabamos descobrindo muitos pontos em comum. Comentei da forte vontade que eu tinha, de fazer algo em prol da minha comunidade, de dividir meus privilégios, o que vai de encontro com o a filosofia da WareHOUSE

Quando o convite veio, não foi só pra ser DJ residente da festa, mas uma das pessoas responsáveis por fazer esse projeto existir. Logo na sequência, eu e o Pedro iniciamos nosso projeto em dupla, WareHOUSE DJ’s. Nós temos uma afinidade musical muito boa.

É uma honra imensa conseguir fazer o projeto acontecer e conquistar seu espaço. Sempre quis fazer uma festa onde realmente fosse respeitada a historia da house music, reviver as pistas onde todes se sentiam livres para ser quem quiser ser e curtir a noite toda sem medo de julgamentos.

Pedro – A WareHOUSE é um sonho que se tornou realidade. Um projeto concebido por mim e pelo Antônio, meu namorado, e que desde o princípio nasceu com a ideia de oferecermos um espaço totalmente democrático para o nosso público, onde todos pudessem ir e ser exatamente quem são ou quem quisessem ser naquela noite. Também sempre foi imperativo que o lineup e cast de artistas fosse marcado pela diversidade e representatividade, além de termos uma equipe (da produção à segurança, à limpeza, etc) que fosse majoritariamente composta por LGBTs, sendo pelo menos 50% de pessoas trans.

A realidade é que, quando olhamos para a história da House Music, vemos que ela surgiu dentro da cena underground, nas mãos de pretos, gays, latinos… e hoje, olhando para o cenário global e até mesmo nacional, onde estão essas pessoas em posição de destaque? Claro que temos alguns nomes, mas o mercado em si se apropriou de algo que surgiu na mão dessas pessoas e hoje as discrimina e não dá oportunidade.

Neste sentido, queremos com a WareHOUSE, resgatar estes valores de liberdade, inclusão e diversidade que sempre estiveram no DNA da House Music. Queremos dar suporte à nossa comunidade, além de dar destaque a essas pessoas. Temos uma preocupação muito grande em ter representatividade em todos os setores dos nossos eventos, da equipe de limpeza e seguranças aos DJs e Performers.

Também dentro dos nossos objetivos está levar a música e a profissionalização na área para quem não tem acesso. Por isso criamos o projeto WareHOUSE DJs, que visa oferecer formação de DJ a LGBTs de baixa renda. Devido ao coronavírus acabamos não conseguindo colocar de pé ainda, mas assim que tudo se resolver daremos continuidade.

Etcetera e Pedro Gariani

Etcetera, você é uma pessoa dentro da letra Q. Ser uma drag queen DJ, não-binária, fora do tradicional pop/tribal, já foi um problema na sua carreira profissional?

Etcetera – Infelizmente sim. Já houveram produtores de festa underground, que depois de receberem meu material, disseram que não imaginavam que eu era do house, que tinham certeza que eu tocava pop. As pessoas automaticamente associam a arte drag ao gênero pop ou tribal, o que atrapalhou sim um pouco para que eu conseguisse meu espaço e um certo respeito na cena eletrônica underground, mas vem acontecendo, graças a Deus. Eu amo ser uma das drags que vem quebrando esse padrão.

Pedro, você representa a letra G da sigla. Ser homem cis, torna sua vida como DJ mais fácil? Você acha que há mais oportunidades se comparada a outras letras da sigla?

Pedro – Em uma visão mais macro, acredito que o ser DJ LGBTQIA+ fora da nossa cena não é muito fácil. Como eu disse no começo, se trata mais dos relacionamentos que você constrói e quem você acessa. Falando pela minha carreira, eu ainda não tive nenhuma oportunidade para mostrar o meu trabalho fora da minha “bolha”, por exemplo.

Agora, quando olhamos para dentro da cena LGBTQIA+, vemos muito mais artistas gays cis do que do resto da sigla. Infelizmente não temos uma comunidade unida, ainda existe muito preconceito dos próprios gays, por exemplo, com o resto da comunidade e isso com certeza se reflete muito em como e para quem as oportunidades de fato chegam.

Pedro Gariani

A House Music é um dos pilares da música eletrônica e que foi criada em meio a comunidade preta e LGBT. Quando que vocês decidiram se dedicar a esse gênero tão clássico? Como foi é representar um gênero musical tão representativo para nossa causa?

Etcetera – Eu sou apaixonado por house desde muito novo, por influências do meu irmão que sempre ouviu bastante, mas eu acabei começando a carreira musical no indie pop. Depois de assistir alguns documentários, entre eles o Pump Up The Volume e ler bastante sobre a historia da House e Disco Music, eu me apaixonei ainda mais. O ritmo já contagia e conquista por si só e o quanto mais eu aprendia sobre, mais eu tinha certeza que era dessa história que eu queria fazer parte e ajudar a continuar escrevendo.

Eu fico completamente honrada em poder hoje ser alguém que representa essa história e eu quero poder ir muito mais além. Sonho em poder levar a voz da minha comunidade ao topo.

Pedro – Eu tive um processo de me descobrir durante estes anos, acho que o amadurecimento também foi me permitindo gostar de coisas novas. Eu sou muito eclético e gosto de muitos gêneros e subgêneros, mas a minha história com a criação da WareHOUSE me inspirou muito a me dedicar mais à House.

Eu fico muito orgulhoso de ver todas essas histórias lindas por trás da House Music, acho que decidi representar algo que eu realmente acredito e quero fazer a diferença.

É perceptível que hoje, o público LGBT esteja migrando, cada vez mais, para gêneros mais underground da música eletrônica, saindo do POP e Tribal tão característicos. Como vocês enxergam essa mudança de estilos, ambientes e o que achou que motivou isso?

Etcetera – A Historia da House music ganhou espaço na mídia. As pessoas passaram a conhecer mais as festas undergrounds e o burburinho foi acontecendo. Um grupo ia, se apaixonava e contava para outros grupos que também migraram e rapidamente, a cena foi ganhando visibilidade e cada dia mais publico. O ser humano é mutável, influenciável e a mídia é completamente responsável pelo que a massa consome.

Pedro – Essa movimentação foi um grande reflexo da popularização das festas fora de Clubs. Carlos Capslock, Mamba Negra, ODD, GopTun, Selvagem e muitas outras, foram grandes responsáveis por enriquecer a cena paulistana e dar opções mais diversas para um público que antes estava restrito a poucos clubs. Esse processo colaborou muito também para a diversificação dos ambientes, eu enxergo muita pluralidade no público destas festas.

Eu acho tudo isso incrível. Consegui acompanhar a mudança de comportamento dos meus amigos durante todo esse processo e fico muito feliz de ver tanta gente se abrindo para coisas novas!

Pedro na Tokka

O 2º semestre está começando e mesmo que o cenário ainda seja muito incerto, quais os planos de vocês para o restante do ano? O que buscam desenvolver em suas carreiras profissionais?

Etcetera – 2020 VOOU MENINE, SOCORRO! Esse ano esta sendo muito desafiador, estamos todes tendo que nos reinventar, buscar formas de mantermos nosso trabalho e sustentos em meio a tudo isso. Eu venho estudando formas de levar minha arte cada vez mais longe, no mundo virtual. Dei incio ao meu canal no Youtube e pretendo subir muito conteúdo musical e informativo por lá. Estou aproveitando o tempo para estudar e aperfeiçoar mais meu trabalho como DJ e performer.

Ah… Tem um projetinho no forno fora da música, mas é novidade pra um papo futuro. (risos)

Pedro – Eu estou com expectativas altas para o período pós pandemia. No momento, estou me dedicando à criação do meu primeiro EP. Quando tudo isso passar, eu quero deixar as pessoas felizes na pista, então estou dedicando o meu tempo a produzir coisas que possam deixar as pessoas assim.

Junto com este EP virão outras coisas legais, como o show visual que estou preparando e que deve ser lançado na WareHOUSE, assim que pudermos retomar a festa.

Pra finalizar, o que acham que falta, tanto para o público quanto para contratantes, que ainda são intolerantes, entenderem que a orientação sexual é um mero detalhe e que o que importa, é o talento do artista? 

Etcetera – Estamos vivendo momentos onde é extremamente necessário olhar para dentro. Todes temos a liberdade de sermos quem e como quisermos ser. Somos responsáveis por nossas vidas, histórias e não é a orientação sexual ou gênero que vai definir a capacidade das pessoas. Já passou da hora de entender a todes como seres humanos. Do lado de dentro, todo mundo é idêntico, todo mundo respira, come, pensa e SENTE.

Acho que o combo básico é EMPATIA E RESPEITO! Se todes seguirem com essas duas prioridades em frente as atitudes, vamos evoluir muito e quem sabe um dia, vivenciaremos um mundo bem diferente do que vivemo hoje. O talento do artista está do lado de dentro e como ele é por fora, não vai influenciar nisso! Um beijo muito especial e obrigada mais uma vez pelo convite.

Pedro – Acredito que muitas vezes, o preconceito está muito mais com o produtor/contratante do que de fato com o público. Quem realmente gosta de música, está no evento pelo trabalho do artista e a vida pessoal de quem está se apresentando não faz diferença. Grande prova disso é Honey Dijon e BLOND:ISH, por exemplo, que lotam shows, como aconteceu no Time Warp aqui em São Paulo ano passado. Muitas pessoas que estavam ali, não tinham nem ideia de que se tratava de uma artista trans e uma artista lésbica.

Para termos outros artistas neste patamar, precisamos dar oportunidade a todos e nos ater apenas ao trabalho que cada um está fazendo, independente de raça, gênero ou orientação sexual. Afinal, estamos todos envolvidos nesta indústria por amor à música e ao público, além do mais, no ano em que estamos não há mais espaço para preconceito e segregação.

Etcetera na WareHOUSE

Pedro, que mensagem você pode deixar para nossa comunidade, principalmente para os artistas que buscam seu lugar ao sol?

Pedro – Para os artistas que estão começando, o recado que eu dou, por mais que seja um clichê é: não desistam! A verdade que ninguém conta é que não é fácil ser um DJ e viver apenas disso, precisa batalhar muito e buscar a sua maneira de se destacar dentre as centenas de profissionais que estão no mercado. É uma batalha dia após dia, mas ver o sorriso das pessoas na pista de dança não tem preço, vale cada esforço!

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Las Bibas from Vizcaya, a arte drag e o tribal como produto nacional

Ela começou tocando em Recife, até se transformar numa das pioneiras em levar a arte drag para as picapes. Leia nosso papo com Las Bibas From Vizcaya.

Las Bibas From Vizcaya | Foto: Renato Filho

Natural de Recife, Las Bibas from Vizcaya começou sua carreira ainda nos 80, atuando em clubs voltados a um público diferente daquele que a consagraria. Drag queen, DJ e produtora musical, ela carrega em suas músicas, a militância.

Representando a letra Q da sigla LGBTQIA+, confira agora a nossa entrevista com Las Bibas From Vizcaya para a #PrideWeek 2020 do Beat for Beat.

Beat for Beat – Olá Las Bibas, muito obrigado por conversar com a gente nessa semana tão importante para nós. Para começar, nos diga: como é ser uma DJ drag queen, na cena eletrônica nacional? Você ainda sofre muito preconceito ou resistência com relação a contratantes dentro e fora do mundo LGBTQIA+?

Las Bibas From Vizcaya – Dentro do mundo LGBTQI+ não mais, mas ate uns 3-4 anos atrás, alguns contratantes me olhavam atravessado, talvez por não pesquisarem sobre a minha trajetória ou o meu trabalho. Eu me aventuro em diversas aéreas: vídeo, podcast, na arte drag. Acredito que eles achavam que eu faria de tudo, menos tocar… bobinhos! (risos).

Fora do Universo LGBTQI+, quando eu tocava (hoje não mais), os contratantes eram mais antenados. Lembro de uma vez que toquei no  D-EDGE e o club fez uma mini matéria minha, na página deles, falando de mim e o meu trabalho como DJ.  Achei tão incrível que printei e guardo como um quadro de parede (risos).

Você é uma das pioneiras em levar a arte drag para as picapes, além de ser uma grande produtora musical. Você tem mais de 30 anos de estrada, já que começou em 1984. Como foi o começo da sua carreira, com relação a sua orientação sexual? Tem alguma coisa que você percebe que não mudou, mesmo depois de tantos anos?

Las Bibas – Eu comecei em clubs mais direcionadas ao público hétero, mas já estava fora do meu armário, porém  de maneira “discreta e no sigilo” (termo utilizado em apps de relacionamento). Eu não imagina que um dia, tocaria montado em drag e cá estou hoje.

Mesmo sendo gay, nunca tive problemas em casas/festas “ht”, mas resolvi migrar para os eventos LGBTQIA+ no início dos anos 90, ainda lá em Recife, minha cidade natal, quando a coisa começou a tomar mais forma. Pra vocês terem uma ideia, nos 80, em Recife, só existia praticamente 1 club LGBT e alguns bares, foi nos anos 90 que começaram a surgir vários clubs.

Mudou muita coisa de lá pra cá, mas algo que o público LGBT ainda tem, e que difere do público hétero, é fidelidade com um club, por exemplo. Nossa comunidade chegava a passar 5-10 anos na cena noturna e mesmo que hoje, gerações mudam a cada 3-2 anos, manter-se fiel a um local não mudou. Durante um mesmo ano, por exemplo, você consegue ver quase os mesmos rosto na pista, figurinhas carimbas e isso bom, pois você cria laços com o público e faz até amigos.

Las Bibas From Vizcaya na The Week

A comunidade LGBTQIA+ adotou o tribal como um dos seus gêneros preferidos e no Brasil, ele ganhou novas formas. Uma sonoridade diferente. Como é ser referencia na produção musical de um estilo que ganhou a cara brasileira e a que você atribui esse grande sucesso entre a nossa comunidade?

Las Bibas – A comunidade LGBTQIA+ sempre foi um gueto nos 70, 80 e 90, e sendo um gueto, a sonoridade sempre foi mais fechada e peculiar. Sendo assim esse som pouco mudou, pouco evoluiu e apenas se moldou a uma sonoridade atual, unido-se a outros estilos que a nossa comunidade consome, como o groove do funk, as percussões do samba e a energia da EDM. Até hoje, a música que consumimos segue essa linha, baseada em elementos clássicos e sobretudo nas divas e nos seus vocais.

Além do tribal, você usa elementos de outros gêneros, como o house, que é genuinamente LGBT. Como você vê a questão de um gênero que nasceu preto, gay, tornar-se algo das massas e perder um pouco da militância em cima da qual ele foi criado? Como você vê a importância de transmitir uma mensagem de liberdade de expressão através da música?

Las Bibas – Dentro da cena, meu som é um dos mais “diferentões”, pois eu tenho um compromisso social com a música. Eu gosto de levar mensagens subliminares, de resgatar o passado, repagina-lo e trazê-lo para as novas gerações. Talvez esta seja a minha militância: através da música.

Se tive a sorte de passear por diversas casas, gostar e tocar diversos gêneros musicais, eu me acho na obrigação de trazer essa diversidade musical para a minha pista, mas com as limitações, para não fugir do estilo preferido da nossa comunidade.

Hoje você é figurinha constante em diversas festas do Brasil e até do mundo. O que de mais diferente, culturalmente falando, você encontra nas diversas festas por onde vai? O que te surpreende e te incomoda mais nos hábitos regionais de cada lugar que você passa?

Las Bibas – A internet unificou o mundo. Hoje, o que se toca em Nova York, também toca no club mais longínquo de qualquer interior do brasil. O que me incomoda é que o som ficou mais “pop”, mais comercial e perdemos um pouco o espaço de podermos mostrar algo novo ou diferente, mesmo que seja um hit do passado reciclado.

O público tem sua parcela de culpa. basta vermos o charts das plataformas de streaming do Brasil, para termos uma noção do nível musical do país, mas os maiores culpados são os próprios DJs. A profissão ficou de fácil acesso a todos e hoje, temos muitos “influencers”, blogueiros, ou pessoas que apenas tem uma rede social bombada, mas que não possuem nenhuma bagagem musical e estão ocupando o lugar de verdadeiros profissionais.

Vários DJs incríveis do passado, hoje mal tocam ou são convidados, pois não se encaixam mais no perfil do “DJ superstar” ou não entram na sonoridade atual. Será que eles ficaram datados? Ou será que a musica de hoje é tão descartável, que fez esse desserviço a comunidade?

Você possui uma vasta carreira na produção musical. Seu último single, ‘The Art of Sampler 5: Octavia St Laurent’, ganhou as plataformas digitais recentemente. Conta pra gente a história por trás da track e seu processo criativo na construção dela.

Las Bibas – Estamos no mês do orgulho e eu queria lançar algo muito #pride neste mês. Esse meu projeto, chamado “The Art of Sampler“, começou como uma brincadeira-desafio, onde eu sampleio tudo da música (de músicas famosas inclusive) e tento recriar em algo novo. Passei a gostar tanto, que já vou pro quinto lançamento.

Octavia  St Laurent foi uma ativista transexual, drag, negra, latina da cidade de Nova Iorque e educadora sobre questões do HIV/AIDS. Ela está no famoso e indispensável documentário “Paris is Burning” e ainda atuou na linha de frente pela visibilidade da comunidade LGBTQIA+,  ou seja, a gata foi um ícone underground pouco reverenciada e conhecida dessa nova geração. Ela tem frases icônicas que eu usei na música, como por exemplo: “Gays têm direitos, lésbicas têm direitos, homens têm direitos, mulheres têm direitos, até animais têm direitos. Quantos de nós temos que morrer, antes que a comunidade reconheça que não somos dispensáveis?”

Essa track é um tributo a ela e uma militância sonora minha. Se algumas pessoas ouvirem, pesquisarem melhor sobre Octavia e descobrirem quem ela foi, minha missão foi bem sucedida.

E pra finalizar, que conselho você pode dar para seus fãs que almejam uma carreira musical?

Las Bibas – Você tem que amar a música, casar com ela, se dedicar e sobretudo, estudar, pesquisar o passado, para entender como chegamos nesse presente-futuro atual. Acho que isso serve pra qualquer profissão, né?

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Ariele Quaresma, a bissexualidade e a dualidade da disco com funk

Bissexual assumida, Ariele Quaresma luta contra o preconceito, machismo e traz em sua essência, misturas inusitadas na pista.

Ariele Quaresma

Perante a música, somos todos igual e é isso que queremos mostrar em nossa #PrideWeek. A tradicional semana do B4B, voltada a comunidade LGBT, abre seus trabalhos com a Ariele Quaresma, uma artista que, além de enfrentar o machismo tão intrínseco na nossa sociedade, ainda precisa enfrentar a bifobia e o preconceito musical, por conta de suas escolhas sonoras.

Com uma carreira fomentada num dos maiores centros noturnos de São Paulo, a Rua Augusta, Ariele precisou batalhar bastante para conseguir o destaque no circuito Baixo Augusta, passando por algumas situações e aprendizados, que ela compartilhou com a gente na entrevista abaixo. Confira nosso papo com Ariele Quaresma na Pride Week.

Beat for Beat – Ariele, obrigado por conversar com a gente, ainda mais nessa semana tão especial. Pra começar, conta pra gente: como é representar a letra B, as vezes tão esquecida na sigla LGBT?

Ariele Quaresma – Oi pessoal. É um prazer conversar com vocês. Como DJ, mulher, bissexual, periférica, descendente de nordestinos, eu sou uma pessoa completamente fora dos padrões que a sociedade impõe. Eu sou tudo aquilo que queriam que eu não fosse. Representar a letra B da sigla traz o stigma da hiper sexualização, de ser objetificada, já que a sociedade e até mesmo nossa comunidade, não enxergam o bissexual como alguém que sente atração por ambos os gêneros. Nós não somos vistos, de fato, como realmente somos.

Muitas pessoas, principalmente casais, às vezes esquecem que somos pessoas que possuímos sentimentos. Acham que por sermos bissexuais, não podemos nos apaixonar por alguém, por não ter uma preferência e não é bem por ai. Não somos pessoas promíscuas e que só queremos sexos. Além disso, existe ainda a ideia de que uma mulher bissexual, por exemplo, ao se relacionar com uma mulher, passa automática a ser lésbica ou se for namorar um homem, transforma-se numa pessoa heterossexual e não é assim. Eu posso continuo sentindo atração por ambos. As pessoas precisam levar um pouco mais a sério as escolhas das outras e parar de coloca-las em caixas.

Esse “esquecimento” que as vezes sofremos, é porque as pessoas nunca nos veem como realmente somos, mas sim, como elas pensam que a gente seja.

Quando você fala na hiper sexualização, isso já aconteceu também na cena noturna? Você já sofreu algum preconceito ou resistência por sua orientação, na hora de ser contratada pra uma gig ou fazer um evento?

Ariele Quaresma – Pra minha sorte, eu nunca deixei de ser contratada por conta da minha orientação, mas já senti sim, assédio por parte de alguns contratantes. Não posso afirmar que ser bissexual tenha causado tais assédios, mas há uma grande chance, uma vez que sou assumida abertamente. Minha família, amigos e consequentemente, contratantes, sabem da minha orientação.

Já aconteceu de pessoas fazerem brincadeiras sexualizadas comigo. De homens casados acabarem passando a mão, só pelo fato de eu estar com um vestido. Situações que, infelizmente, a mulher sofre pelo simples fato de ser mulher, vai além da orientação sexual. O homem cis hetero precisa entender que ele não tem poder sobre o corpo do outro.

Em toda a minha vida, eu tive que falar um pouco mais alto que os outros, pra ser ouvida, então de certa forma, a vida me preparou para esse tipo de situação. Eu não fico mais calada e ninguém jamais me calará. Hoje, já não trabalho mais com pessoas que me submeteram a tais situações.

Ariele Quaresma na Selva | Foto: FALZER

E partindo então agora pro seu trabalho. Você é uma DJ que aborda um gênero não tão executado mais, que a disco. Como você chegou num dos estilos eletrônicos mais clássicos?

Ariele Quaresma – Minha carreira começou no circuito do Baixo Augusta e eu acaba tocando aquilo que precisava ser tocada, o que era pedido. Conforme eu fui ganhando experiência, autonomia e reconhecimento, comecei a explorar gêneros musicais que já faziam parte da minha vida e a disco music é um desses estilos.

Desde muito cedo, sempre fui influenciada pela minha mãe. Tenho memórias da minha infância, quando no fim de semana, durante nosso único tempo livre juntas, ela colocava aqueles CDs de flashback e isso me marcou. Além disso, após ler o livro “Todo DJ Já Sambou”, potencializei uma paixão que já existia dentro de mim e quanto mais eu pesquisava, mais eu queria tocar aquilo. Foi um efeito de dentro pra fora. Quando eu me encontrei musicalmente falando, tudo fluiu melhor.

Além de se especializar na disco, você trouxe novos elementos pra sua apresentação, misturando ele com funk, como no seu último set. Como surgiu a ideia dessa mistura tão inusitada e como foi a aceitação do público?

Ariele Quaresma – A minha carreira começou na Augusta e lá, o público é muito jovem e o estilo mais difundido entre eles, é o funk. Tem até uma brincadeira entre os DJs que basta a gente chegar na cabine, que alguém vai perguntar que horas vai começar o funk. É inevitável.

Além de existir a demanda pelo gênero,o funk faz parte de mim. Eu sou da periferia de São Paulo e o funk é uma das minhas realidades. Eu gosto de funk. Eu acredito que ele precisa ser reconhecido como um sub gênero da música eletrônica, já que todos os beats e samples são criados eletronicamente. O funk não é orgânico. Eu mesmo gosto muito de usar parte de uma música para criar outra. O funk combina sim com a música eletrônica, além de ser um estilo genuinamente brasileiro e eu tenho orgulho disso.

E fazer essa mistura, fez com que o seu público buscasse conhecer mais sobre música eletrônica? Você sente que conseguiu cumprir seu papel de educadora musical?

Ariele Quaresma – Eu vejo que meu trabalho, funciona como uma fusão entre os dois mundos. O público da música eletrônica passou a ter um contato maior com o funk, que ainda é muito marginalizado e vice-versa. Acredito que sim, consegui cumprir com meu papel de educadora musical e não só isso, em todas as festas que eu toco, eu tenho um olhar mais politico na hora de fazer essa fusão, pra juntar o melhor dos dois universos de forma coerente. Acho que a missão foi cumprida.

Falando também na questão politica, você tenta transmitir uma mensagem de liberdade de expressão, de enaltecer a cultura e artistas LGBT dentro dos seus sets? 

Ariele Quaresma – Assim como o meme fala, eu sempre tento “trazer um pouco de cultura pra esse povo”. Artistas LGBT são 60% do meu set. Eu sempre tento levar representatividade para as minhas apresentações. Hoje, já existem alguns funks de boa qualidade surgindo, nesse movimento de tech-funk, que são tracks de fato, misturando os dois estilos e que conversam com tanto com a comunidade LGBT quanto com o universo cis hetero. Eu consigo deixar meu trabalho bem balanceado.

Ariele Quaresma no Sputnik Bar | Foto: Bruno Carmo

Quais são os planos pra sua carreira musical?

Ariele Quaresma – Hoje, é continuar com a ascensão. Quero visitar lugares novos, ir para outros estados além de São Paulo e Minas Gerais. Quero melhor ainda mais o trabalho que venho fazendo, expandindo minhas pesquisas, meus estilos musicais. Quanto mais eu conhecer, maiores são as experiências que posso proporcionar. Imagine levar o disco-fluxo para outros países? Seria incrível.

Pra finalizar, que atitudes você acha que a sociedade precisa mudar, urgentemente, com relação a comunidade LGBT? O que você acha que podemos fazer pra mudar, nem que seja de forma pequena, o mundo em que vivemos?

Ariele Quaresma – Eu sou uma pessoa que tem muita fé, mesmo não seguindo mais a crença cristã que eu já tive. Hoje, vivemos num país quem a maioria é cristã e por isso, quero direcionar um recado para eles, que são as pessoas que mais precisam ouvir: precisamos pregar uma coisa que Jesus mesmo dizia, o amor ao próximo. Ame o  próximo como a ti mesmo.

As pessoas ainda estão em lugares de julgamento, achando que são melhores que as outras por conta de suas crenças, suas opiniões travestidas de preconceito e não é bem por ai. O respeito é o mais importante. Eu amar uma mulher ou um homem, não define quem eu sou. A minha condição sexual não define quem eu sou. As pessoas precisam ter mais amor pela vida alheia. É isso que falta para que possamos viver de forma mais saudável em comunidade.

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